1 de agosto de 2020

Beethoven: Symphony No. 9 & Choral Fantasy + Piano Concertos Nos. 2 & 5 (Harmonia Mundi, 2020)

Heras-Casado faz tantos milagres com cores primárias que não é difícil imaginá-lo de batuta numa mão e paleta na outra, ligeiramente encurvado no estrado, a aplicar tinta com todo o cuidado nas orquestras que dirige – isto, não dispensasse ele o acessório e, na realidade, enquanto maestro, não se parecesse mais com um instrutor de Tai Chi. Seja como for, o ponto não será esse, mas, sim, o de ilustrar o quanto desse magistério se dilui quando recorre à sépia. É o que em certa medida se dá na gravação da ‘nona’ de Beethoven com a Orquestra Barroca de Friburgo, em que a segurar em alguma coisa seria numa seringa, que é para ver se assim se explica a privação mais ou menos completa da sensibilidade geral entre essa gente que à sua frente deve ter dado os arcos de pau-brasil por muito mal empregues. Trata-se de uma interpretação desprovida, até, daquele instinto ferino que se lhe reconhece – aqui, de modo perverso, está sobretudo feral, e aproximar-se de mansinho do “Hino à Alegria”, como num cortejo fúnebre, prova-se grotesco. Salva-se a “Fantasia Coral”, no disco, com Kristian Bezuidenhout a tirar proveito dos prodígios previamente ensaiados, quando tornou a lembrar que Beethoven foi sempre mais convincente a falar no singular do que no plural – de facto, em tempos recentes, e menos ainda neste ano em que se assinala o ducentésimo quinquagésimo aniversário do seu nascimento, com tudo feito à pressa, não há memória de um registo tão capaz de chegar ao âmago do compositor quanto o destes concertos para piano em que tudo canta. Até a madeira do pianoforte, como castanholas.

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