21 de agosto de 2020

“Cadence Revolution: Disques Debs International Vol. 2 (1973-1981)” (Strut, 2020)

As coisas iam bem encaminhadas, há dez anos, quando Hugo Mendez organizou “Tumbélé! Biguine, Afro & Latin Sounds From the French Caribbean, 1963-74” (Soundway, 2009) e “Sofrito: Tropical Discotheque” (Strut, 2011). Mas a verdade é que, desde então, se tem insistido numa lógica – de mercado, precisamente – que não permite perceber com clareza uma certeza elementar na música antilhana: a de que, contrariamente ao que o zouk formulou, aí, juntando duas ou mais parcelas não se obtém um plural aritmético mas, sim, uma sucessão de singularidades. Assim, na sua génese, de pouco adianta recordar o instante em que as orquestras haitianas seguiam a etiqueta das danças de salão, em que a Tropicana tocava chá-chá-chá em Pointe-à-Pitre ou em que os congoleses Ry-Co Jazz aportavam ao arquipélago: em Guadalupe, onde a Debs operava, a kadans correspondia a um bilhete de identidade. Talvez por isso se inicie este espantoso novo volume da série dedicada pela Strut ao selo de Henri Debs de modo tão emblemático, com ‘Moin Domi Dérhô’ (‘Eu Durmo lá Fora’, em crioulo), uma canção gravada pelos Super Combo depois de terem observado em primeira mão as condições de vida dos emigrantes guadalupinos nas ruas de Paris. Aliás, convém não esquecer que esta produção foi contemporânea à ação da UPLG (a União Popular pela Libertação de Guadalupe) e que não terá ficado imune a febres independentistas – o que explica a palavra “revolução”, no título. 

De facto, para a expressar melhor, foi uma época em que, para se reencontrar, até a Ry-Co Jazz se transformou em Guadafrica Combo – a sua rumba destilada subitamente enriquecida por pelotões de tambores saídos das plantações. Um processo que se expandiu à própria duração dos temas, que escapavam à camisa-de-força das jukeboxes pelos sulcos do vinil (conforme exemplificado por Galaxy, Les Rapaces, H.W.T. Band, Rico, Guy Conquette ou Edouard Benoît), e, inevitavelmente, a outras editoras, como a Aux Ondes e a Production 3A (sediada na Martinica, esta). Sabendo bem a etapa que nesta história se seguiria, em 1991, no livro “Musiques et Musiciens de la Guadeloupe”, Alex e Françoise Uri explicavam que o zouk corria o perigo de se “deixar seduzir de vez pelo encanto da metrópole”, que tinha de “voltar ao contacto com as suas raízes” e de ter cuidado para que “o valor de mercado dos seus produtos não lhe destruísse o valor cultural” – em suma, que tinha de voltar a parecer-se com a música que aqui se ouve.

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