A finalizar uma nota de apresentação de duas
páginas, Thomas Dunford e Jean Rondeau declaram o seguinte: “Desejamos entusiasmar
a nossa plateia pelo fluxo e refluxo da repetição em vez de a tentar persuadir pelo
verbo” – uma asserção algo invulgar para franceses, é certo, ainda para mais
quando precisam de 600 palavras para lá chegar. Aí, sim, dá-se com pérolas de
retórica gálica, como esta: “Não sabemos tocar sozinhos. Cruzamento paradoxal
entre as mais rigorosas regras do jogo – numa linguagem tão cifrada como
hieróglifos, que passamos a vida a tentar descodificar – e a magia a que esse
mesmo cruzamento nos conduz, na sua dimensão a um tempo orgânica e onírica.” Isto
é, se entendi bem a coisa, aproximam-se da expressão conjunta mais por
coincidirem nas perguntas do que propriamente por se ajustarem nas respostas –
o que explicaria esta preferência por obras de estribilho constante. Outra
metáfora possível seria a de que transferem peças de François Couperin
(1668-1733), Visée (c. 1655-1732/3), Lambert (c. 1610-1696), Marais (1656-1728),
Charpentier (1643-1704), d’Anglebert (1629-1691), Forqueray (1672-1745) e
Rameau (1683-1764) para a Galeria dos Espelhos, no Palácio de Versalhes – no
fundo, o seu habitat natural. De
facto, aqui, nestas extraordinárias decantações do Absolutismo, nada é bem o
que parece: Dunford e Rondeau tocam em arquialaúde e cravo obras compostas só
para alaúde, só para cravo ou nem para uma coisa nem outra (cf. “Les Voix Humaines”, de Marais, original
para viola da gamba, agora um prodígio holístico nas mãos de Dunford). Quiçá
para nos lançarem de vez no labirinto, têm como ponto de partida “Les Baricades
Mïstérieuses”, de Couperin, um caleidoscópio
rítmico de padrões encavalitados uns nos outros e um emaranhado de fios
melódicos que só a rica ornamentação dos dois devolve ao tear, como quem anula
o nexo temporal e casa o imanente com o transcendente. Ou, então, é mais
simples ainda: a encerrar o disco, com a mezzo Lea Desandre, o barítono Marc
Mauillon e Myriam Rignol (gamba), canta-se “Je vous revois”, de Rameau – “E
tudo cede à doçura extrema”, escuta-se. E cede mesmo.
Sem comentários:
Enviar um comentário