8 de agosto de 2020

Thomas Dunford & Jean Rondeau: Barricades (Erato, 2020)

A finalizar uma nota de apresentação de duas páginas, Thomas Dunford e Jean Rondeau declaram o seguinte: “Desejamos entusiasmar a nossa plateia pelo fluxo e refluxo da repetição em vez de a tentar persuadir pelo verbo” – uma asserção algo invulgar para franceses, é certo, ainda para mais quando precisam de 600 palavras para lá chegar. Aí, sim, dá-se com pérolas de retórica gálica, como esta: “Não sabemos tocar sozinhos. Cruzamento paradoxal entre as mais rigorosas regras do jogo – numa linguagem tão cifrada como hieróglifos, que passamos a vida a tentar descodificar – e a magia a que esse mesmo cruzamento nos conduz, na sua dimensão a um tempo orgânica e onírica.” Isto é, se entendi bem a coisa, aproximam-se da expressão conjunta mais por coincidirem nas perguntas do que propriamente por se ajustarem nas respostas – o que explicaria esta preferência por obras de estribilho constante. Outra metáfora possível seria a de que transferem peças de François Couperin (1668-1733), Visée (c. 1655-1732/3), Lambert (c. 1610-1696), Marais (1656-1728), Charpentier (1643-1704), d’Anglebert (1629-1691), Forqueray (1672-1745) e Rameau (1683-1764) para a Galeria dos Espelhos, no Palácio de Versalhes – no fundo, o seu habitat natural. De facto, aqui, nestas extraordinárias decantações do Absolutismo, nada é bem o que parece: Dunford e Rondeau tocam em arquialaúde e cravo obras compostas só para alaúde, só para cravo ou nem para uma coisa nem outra (cf. “Les Voix Humaines”, de Marais, original para viola da gamba, agora um prodígio holístico nas mãos de Dunford). Quiçá para nos lançarem de vez no labirinto, têm como ponto de partida “Les Baricades Mïstérieuses”, de Couperin, um caleidoscópio rítmico de padrões encavalitados uns nos outros e um emaranhado de fios melódicos que só a rica ornamentação dos dois devolve ao tear, como quem anula o nexo temporal e casa o imanente com o transcendente. Ou, então, é mais simples ainda: a encerrar o disco, com a mezzo Lea Desandre, o barítono Marc Mauillon e Myriam Rignol (gamba), canta-se “Je vous revois”, de Rameau – “E tudo cede à doçura extrema”, escuta-se. E cede mesmo.

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