19 de setembro de 2020

Couperin: Intégrale de L’Oeuvre pour Clavecin, Vol. 2 (Harmonia Mundi, 2020)

Quando há dois anos deu princípio a esta integral, Bertrand Cuiller não parecia saber lá muito bem por onde começar – talvez por isso a tenha genericamente batizado como “Couperin L’Alchimiste”, logo trazendo à memória aqueles quadros de David Teniers, o “Jovem”, de Mattheus van Helmont, ou de David Ryckaert, o “Jovem”, em que de forma muito direta se traçava um paralelo entre o artista e esse extravagante e erudito praticante da ciência oculta medieval. De facto, imaginava-se perfeitamente o cravista sentado num quarto esconso, lendo à luz da vela compêndios de toda a espécie, com almofariz, ampulheta e alambique a seu lado, a destilar os mais herméticos processos do compositor. E dir-se-ia ter em mãos achados de tal ordem que não resistia a mostrá-los em simultâneo – assim, saltava nesse volume inaugural da décima primeira suíte – ou “Onziéme ordre”, como François Couperin (1668-1733) as definiu – para a vigésima sétima, daí para a décima nona, para a quarta e para a terceira, até saltar novamente para a vigésima. Realmente, como dizia Angela Hewitt quando nesse mesmíssimo domínio entrou: “Isto são só ordens e mais ordens!” Agora, para acalmar os ânimos, quiçá, ou para permitir uma avaliação mais efetiva da importância da obra para cravo de Couperin na evolução da música programática, Cuiller regressa à casa de partida – ou melhor, recua a “Premier ordre” e “Second ordre” (1713) e atrasa os ponteiros do relógio até a uns “années de jeunesse” em que Couperin, ao atingir a maioridade, assumiu, depois do seu tio e do seu pai, funções na igreja de Saint-Gervais, no Marais (data do período um par de etéreas missas aqui interpretadas pelo organista Jean-Luc Ho e pelos cantochanistas Meslanges). Mas é sobretudo às graciosas evocações de Cuiller em “Les Silvains”, “Les Sentiments”, “La Prude”, “La Garnier” e “Les Idées Heureuses” que se voltará uma e outra vez – aliás, escuta-se a sequência “L’Auguste”, “La Majestueuse” e “La Milordine” e pensa-se num aluno de Couperin, o delfim Luís, Duque da Borgonha, em Versalhes, a borboletear, feliz, em torno do cravo, a querer voar com as asas que o seu percetor lhe dava... E que a todos dá.

Sem comentários:

Enviar um comentário