Quando há dois anos deu princípio a esta integral,
Bertrand Cuiller não parecia saber lá muito bem por onde começar – talvez por
isso a tenha genericamente batizado como “Couperin L’Alchimiste”, logo trazendo
à memória aqueles quadros de David Teniers, o “Jovem”, de Mattheus van Helmont,
ou de David Ryckaert, o “Jovem”, em que de forma muito direta se traçava um paralelo
entre o artista e esse extravagante e erudito praticante da ciência oculta
medieval. De facto, imaginava-se perfeitamente o cravista sentado num quarto
esconso, lendo à luz da vela compêndios de toda a espécie, com almofariz,
ampulheta e alambique a seu lado, a destilar os mais herméticos processos do
compositor. E dir-se-ia ter em mãos achados de tal ordem que não resistia a
mostrá-los em simultâneo – assim, saltava nesse volume inaugural da décima primeira
suíte – ou “Onziéme ordre”, como François Couperin (1668-1733) as definiu –
para a vigésima sétima, daí para a décima nona, para a quarta e para a
terceira, até saltar novamente para a vigésima. Realmente, como dizia Angela
Hewitt quando nesse mesmíssimo domínio entrou: “Isto são só ordens e mais ordens!”
Agora, para acalmar os ânimos, quiçá, ou para permitir uma avaliação mais
efetiva da importância da obra para cravo de Couperin na evolução da música
programática, Cuiller regressa à casa de partida – ou melhor, recua a “Premier
ordre” e “Second ordre” (1713) e atrasa os ponteiros do relógio até a uns “années de jeunesse” em que Couperin, ao
atingir a maioridade, assumiu, depois do seu tio e do seu pai, funções na
igreja de Saint-Gervais, no Marais (data do período um par de etéreas missas
aqui interpretadas pelo organista Jean-Luc Ho e pelos cantochanistas
Meslanges). Mas é sobretudo às graciosas evocações de Cuiller em “Les
Silvains”, “Les Sentiments”, “La Prude”, “La Garnier” e “Les Idées Heureuses”
que se voltará uma e outra vez – aliás, escuta-se a sequência “L’Auguste”, “La
Majestueuse” e “La Milordine” e pensa-se num aluno de Couperin, o delfim Luís,
Duque da Borgonha, em Versalhes, a borboletear, feliz, em torno do cravo, a
querer voar com as asas que o seu percetor lhe dava... E que a todos dá.
Sem comentários:
Enviar um comentário