Há muito que as mulheres têm a palavra, no Mali – pense-se nos exemplos de Fatoumata Diawara, Rokia Traoré, Kandia Kouyaté ou no de Oumou Sangaré, claro, cuja estreia se intitulava precisamente “Moussolou” (“Mulheres”). Como tal, em ‘Taba’ (‘O Maior Quinhão’), não admira que diga Mah Damba o seguinte: “Falar demais é uma fraqueza/ Mas, com o silêncio, não me peçam que desista/ Perdão a quem isto despreza/ Sou griô, não sou letrista.” Aliás, na atual crise política do país, após o Golpe de Estado de 18 de agosto, e com o poder nas mãos de uma junta militar, a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental promoveu um encontro com 59 líderes malianas. Se pedissem a opinião a Damba, é muito provável que ela desse voz a ‘Dambe’ (‘Cultura’): “Ouçam-me quando vos digo que a cultura das armas é estranha ao Mali/ A guerra não faz parte dos costumes soninquês, bambara ou fulani.” Depois, canta a frase que dá título ao seu primeiro disco em uma década: “Jamana kélé, myria kélé, hakili kélé”, isto é, “Um país, uma memória, um pensamento” (como jurava Bassekou Kouyaté, em Lisboa, há uma boa meia dúzia de anos: “A solução para o Mali temo-la nós, músicos, que somos como um país à parte, há séculos a promover a paz”). Não que Damba tenha interrompido o luto (Mamaye Kouyaté, o seu marido, faleceu em 2009) como reação aos mais recentes acontecimentos – pelo contrário, tal como aqueles discos de 2020 que se revelaram premonitórios ao falar de isolamento, por exemplo, este “Hakili Kélé” foi anunciado em 2019, apesar de só agora ganhar distribuição entre nós. O que talvez seja apropriado – aqui, quando Damba entoa a antiquíssima ‘Koulandjan’ acompanhada pelas suas filhas (Sira e Woridio) e pelo seu filho (Guimba), é na Carter Family às voltas com ‘Will the Circle Be Unbroken?’ que se pensa, um daqueles hinos de esperança e perseverança que garantem que, da doença à morte, a música tudo cura. Mah Damba, filha de Baba Sissoko, sobrinha de Fanta Damba, também se questiona se permanecerá ininterrupto o círculo que nos une na bem-aventurança – e quando a ação dos homens o parece negar, ela canta ainda mais alto.
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