12 de setembro de 2020

Laraaji “Sun Piano” (All Saints, 2020)

No final dos anos 90, em Londres, conversava com Dominic Norman-Taylor acerca dos planos imediatos da All Saints: “Na verdade, não temos nada de especial em fase de preparação”, dizia-me ele. “Como sabe, a nossa missão é sobretudo a de manter em catálogo o património adquirido à Opal, a antiga editora do meu cunhado [Brian Eno]. Nessa perspetiva, prolongar uma relação de trabalho com gente como o próprio Brian, como o Harold Budd ou os membros dos Channel Light Vessel [Bill Nelson, Roger Eno, Kate St. John e Laraaji] é já suficientemente ambicioso. Quer dizer: com o Laraaji, duvido. É muito possível que o tenhamos perdido de vez para o campeonato da new age!” Como é óbvio, Norman-Taylor estava longe de adivinhar que a All Saints viria a colocar no mercado uma antologia como “Celestial Music: 1978-2011” (2013), reeditar “Essence/Universe” (2013), anunciar, em 2017, o díptico “Sun Gong” e “Bring on the Sun” ou, agora, através deste “Sun Piano”, precisamente, patrocinar a primeira gravação de Laraaji em piano solo (e entretanto, para o mês que vem, está já agendado o lançamento de “Moon Piano”). Realmente, com tão radiante produção, não há de o septuagenário insistir em adorar o astro-rei – não ignorando que, orientado por Brian Eno, e após um encontro fortuito pelos passeios de Washington Square Park, em Nova Iorque, onde, no chão, sentado na posição de lótus, tocava cítara, foi com “Day of Radiance” (1980) que saiu do anonimato. Aí, conforme relatou, não se deu tanto o caso de Eno nele ter tropeçado quanto o de ele ter intimado o universo a levar até si alguém como Eno – no fundo, é o seu método (“Sento-me, toco no piano e afirma-se uma presença. É um modo de veicular alegria, euforia, contentamento, silêncio, relaxamento, contemplação”, in “Aquarium Drunkard”). Pense-se em Bobby Timmons a descobrir o dédalo do gamelão ou num meio-termo entre Harold Budd e Bud Powell, entre o om e o ámen, mas fundamentalmente recorde-se o Satie que afirmou que a música “cumpre o papel da luz” – um raio de sol a rabiscar o céu, cintilantes acordes suspensos na atmosfera, um arco-íris de pernas para o ar, a sorrir.

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