Nos seus escritos dedicados aos mártires da Palestina, Eusébio de Cesareia conta a história de Teodósia de Tiro: resumindo, em 307, aos dezassete anos, chegada à Cesareia Marítima, Teodósia aproxima-se de um conjunto de prisioneiros cristãos que aguardavam a sentença de morte; diante do tribunal, leva-lhes palavras de conforto e pede-lhes que dela se lembrem ao chegarem ao Senhor; é detida por soldados romanos e conduzida à presença de Urbano, o governador, que a manda renunciar à sua fé; quando ela se recusa, ele condena-a à tortura e ordena a sua execução. Como se sabe, o martirológio do cristianismo primitivo sugere que quanto maior o suplício, maior o benefício – aliás, na época, certos dirigentes romanos percebem que o melhor castigo para os cristãos será negar-lhes uma morte atroz. Aqui, Alessandro Scarlatti (1660-1725) revê o catálogo dos mártires e cruza a narrativa de Teodósia com a de Santa Inês, que decidiu consagrar a sua pureza a Deus e, assim, resistir aos avanços de Fúlvio, o filho do Prefeito de Roma. Como tal, para dourar a pílula, Teodósia (Emmanuelle de Negri) surge agora como a pretendida de Arsénio (Emiliano Gonzalez Toro), filho de Urbano (Renato Dolcini), que tem como confidente e conselheiro Décio (Anthéa Pichanick). É uma história de amor não correspondido: mesmo com Décio a interceder junto de si, Teodósia rejeita Arsénio e prova-se constante na sua devoção a Deus, por quem está pronta a sacrificar-se; e será Urbano a ditar-lhe a sentença. “Oh, inclemência! Oh, martírio!”, dizia Vasco Santana em “O Pai Tirano” (1941), e há realmente muito teatro no meneio de Teodósia ao cantar: “Ecco il petto, ecco il seno/ Con empio furore/ Lacerate, ferite, eccovi il cuore!” Arsénio pede que a amada seja poupada, mas hoje é provável que apregoasse separatismo masculino em mgtow.com (Men Going Their Own Way): aquele que troca a liberdade por uma carinha laroca está condenado a sofrer, conclui. Scarlatti fornece um arsenal de melismas a Teodósia, que lança no êxtase (“Mi piace morire”, “Corro à morir”, avisa) – de facto, com as óperas fechadas a mando de Inocêncio XI, a nobreza romana tinha de se contentar com oratórios!
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