Na edição de março de 1975 da revista “Black
Music”, McCoy Tyner recordava Coltrane: “Ele dizia: ‘Olhas para o céu e vês as
estrelas mas sabes que há muitas outras mais além.’ Ele estava à procura das estrelas
que não se viam.” Certíssimo – e talvez por considerações do género, no seu estertor,
em 1967, se tenha dedicado a sessões de estúdio que viriam a ser assim batizadas:
“Cosmic Music” (1968), “Interstellar Space” (1974) e “Stellar Regions” (1995). Não
obstante, antes de andar com a cabeça na lua, o saxofonista tinha de ter muito cuidado
por onde andava ao desbravar o terreno minado da convenção – nessa perspetiva, “Giant
Steps” (1960) é perfeitamente pivotal, pois, sobre o eixo discográfico,
simboliza efetivamente o movimento giratório entre o Coltrane das décadas de 50
e de 60. E se neste passo de gigante não trocou os pés, pelo menos os pianistas
de que no período se socorreu baralharam as mãos – escute-se Tommy Flanagan, no
tema titular, cuspido para o ar por aqueles complicadíssimos ciclos de
terceiras e desesperadamente à cata de um sólido a que se agarrar, como a
Sandra Bullock de “Gravidade” antes de reentrar na atmosfera terrestre; já Cedar
Walton, que o precedeu num humilíssimo outtake,
nem sequer arriscou solar.
Aliás, aproveite-se para relembrar a cronologia: em
março de 1959, com Walton, Paul Chambers e Les Humphries, Coltrane ensaiou o
repertório de “Giant Steps”, que só em maio decidiu em definitivo fixar, com
Flanagan, Chambers e Art Taylor – depois, enquanto esperava que se fixasse outra
coisa (uma prótese dentária, que lhe corrigiu a embocadura), deixou de fora,
com aquela sobriedade hindustânica que a caracteriza, ‘Naima’, a joia da coroa
do disco, que gravaria em dezembro, com Wynton Kelly, Chambers e Jimmy Cobb, colegas
seus no quinteto de Miles. Agora, nada disto permanecia inédito, e, nessa
matéria, esta “60th Anniversary Edition” prolonga uma prática da Atlantic que
remonta a “Alternate Takes” (1974) e que tem como expoente “The Heavyweight
Champion” (1995) – chega, ainda assim, em nova masterização, embora a opção
pelo estéreo prejudique o rigor diamantino do original. Era, à data, o LP mais
pessoal de Coltrane: os temas, todos de sua autoria; ‘Naima’, o nome da sua mulher
(nascida Juanita Grubbs e entretanto convertida ao Islão); ‘Syeeda’s Song
Flute’, dedicado à enteada; ‘Cousin Mary’, a quem o ajudou a criar; ‘Mr. P.C.’,
a Paul Chambers – apesar de tudo isso, mantém-se desinquietado pela suspeita de
que possui no âmago algo por resolver (o que biógrafos e sectários de Freud atribuem
à relação de Coltrane com a mãe). Como diria Tyner, soa a alguém a pôr a
papelada em ordem antes de dar o salto para os estrelas – e só um tipo como Neil
Armstrong veio um dia a saber o que terá sentido Coltrane ao lançá-lo.
Sem comentários:
Enviar um comentário