26 de setembro de 2020

John Coltrane "Giant Steps" (Warner, re. 2020)

Na edição de março de 1975 da revista “Black Music”, McCoy Tyner recordava Coltrane: “Ele dizia: ‘Olhas para o céu e vês as estrelas mas sabes que há muitas outras mais além.’ Ele estava à procura das estrelas que não se viam.” Certíssimo – e talvez por considerações do género, no seu estertor, em 1967, se tenha dedicado a sessões de estúdio que viriam a ser assim batizadas: “Cosmic Music” (1968), “Interstellar Space” (1974) e “Stellar Regions” (1995). Não obstante, antes de andar com a cabeça na lua, o saxofonista tinha de ter muito cuidado por onde andava ao desbravar o terreno minado da convenção – nessa perspetiva, “Giant Steps” (1960) é perfeitamente pivotal, pois, sobre o eixo discográfico, simboliza efetivamente o movimento giratório entre o Coltrane das décadas de 50 e de 60. E se neste passo de gigante não trocou os pés, pelo menos os pianistas de que no período se socorreu baralharam as mãos – escute-se Tommy Flanagan, no tema titular, cuspido para o ar por aqueles complicadíssimos ciclos de terceiras e desesperadamente à cata de um sólido a que se agarrar, como a Sandra Bullock de “Gravidade” antes de reentrar na atmosfera terrestre; já Cedar Walton, que o precedeu num humilíssimo outtake, nem sequer arriscou solar.

Aliás, aproveite-se para relembrar a cronologia: em março de 1959, com Walton, Paul Chambers e Les Humphries, Coltrane ensaiou o repertório de “Giant Steps”, que só em maio decidiu em definitivo fixar, com Flanagan, Chambers e Art Taylor – depois, enquanto esperava que se fixasse outra coisa (uma prótese dentária, que lhe corrigiu a embocadura), deixou de fora, com aquela sobriedade hindustânica que a caracteriza, ‘Naima’, a joia da coroa do disco, que gravaria em dezembro, com Wynton Kelly, Chambers e Jimmy Cobb, colegas seus no quinteto de Miles. Agora, nada disto permanecia inédito, e, nessa matéria, esta “60th Anniversary Edition” prolonga uma prática da Atlantic que remonta a “Alternate Takes” (1974) e que tem como expoente “The Heavyweight Champion” (1995) – chega, ainda assim, em nova masterização, embora a opção pelo estéreo prejudique o rigor diamantino do original. Era, à data, o LP mais pessoal de Coltrane: os temas, todos de sua autoria; ‘Naima’, o nome da sua mulher (nascida Juanita Grubbs e entretanto convertida ao Islão); ‘Syeeda’s Song Flute’, dedicado à enteada; ‘Cousin Mary’, a quem o ajudou a criar; ‘Mr. P.C.’, a Paul Chambers – apesar de tudo isso, mantém-se desinquietado pela suspeita de que possui no âmago algo por resolver (o que biógrafos e sectários de Freud atribuem à relação de Coltrane com a mãe). Como diria Tyner, soa a alguém a pôr a papelada em ordem antes de dar o salto para os estrelas – e só um tipo como Neil Armstrong veio um dia a saber o que terá sentido Coltrane ao lançá-lo.

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