27 de abril de 2013

Entrevista a Bassekou Kouyate, por ocasião de “Jama Ko” (Out Here, 2013)



Estamos em fevereiro num hotel da Avenida de Roma – a comitiva de Kouyaté, aterrada de triunfante digressão pelo norte da Europa e acabada de contratar para o próximo Festival Músicas do Mundo de Sines, faz escala em Lisboa no regresso a Bamako – e cumprimentamo-nos com um sorriso agridoce. O momento é de celebração – o novo álbum confirma-se um fascinante manifesto de esperança e integridade – mas, ao mesmo tempo, chegam-nos de Tombuctu e Gao inquietantes notícias. Discutimos o pouco que se vai sabendo e Bassekou, circunspeto, reflete: “Preocupa-me a perda de soberania do meu país – e que este não seja tanto um caso isolado quanto um presságio para coisas piores”. O maliano – que produziu um tratado de sincretismo que iguala aqueloutros outrora postulados por Rail Band, Toumani Diabaté, Ali Farka Touré ou Oumou Sangaré – elenca os abusos que, ao abrigo da mais ortodoxa interpretação da lei islâmica, guerrilheiros tuaregues impuseram a concidadãos seus: “Uma terrível violência contra mulheres, detenções arbitrárias, flagelações públicas, lapidações, decapitações, interdições de fumar, beber, ouvir música, enquanto nos campos de treino em redor das aldeias drogavam jovens de 14 ou 15 anos, metendo-lhes nas mãos dinheiro, uma kalashnikov e prometendo-lhes o paraíso”. E continua: “Ora isto não é de bom muçulmano. É puro banditismo. Falo de gente que entra armada em mesquitas, que torra livros sagrados, que trafica – foi um ano infernal”. Ainda que sujeita a inúmeros contratempos, nomeadamente em consequência de atentados suicida, a investida francesa então em curso, tinha, segundo a retórica em voga, ‘libertado’ as principais cidades da região da ocupação pelas tropas do Ansar Dine ou do MUJAO. “E”, prossegue, “tudo isto porque tínhamos um presidente [Amadou Toumani Touré, deposto em Março de 2012] que não queria bombardear o seu próprio povo, nomeando até Ag Ahaly [líder do Ansar Dine] para um cargo diplomático. Porque isto não é um problema étnico!”. Kouyaté estava em estúdio na capital aquando do golpe militar: “tinha convidados vindos de fora… jornalistas, produtores, engenheiros de som, e eu aterrorizado com cortes de eletricidade, recolher obrigatório, balas perdidas, soldados amotinados”. Pressente-se nas suas palavras um profundo despeito, mas por entre o caos encontrou motivação: “quis, com este disco reunir a minha mulher [a cantora Amy Sacko], os meus filhos e amigos [de Taj Mahal à tuaregue Khaira Arby], e falar daquilo que anda há séculos a ser representado na nossa arte: porque a solução sabemo-la nós, músicos, que somos como um país à parte”. Comovente e panegírico símbolo para a paz, “Jama Ko” é uma porta de acesso a uma biblioteca organizada em torno do tema da tolerância. “Ouçam”, conclui, “porque quando nos calarmos é sinal de que o mundo – ao contrário das feridas nos nossos corpos – já não está capaz de se curar”.

Sem comentários:

Enviar um comentário