Vocalconsort Berlin, James Wood
Numa antologia de dez contos
publicada em 1980, Julio Cortázar, numa típica combinação de tópicos e
trópicos, coloca frequentemente a descoberto as mais factícias e fictícias
maquinações. No sétimo, e de forma literal – pois o texto acompanha as
deambulações de uma itinerante trupe coral latino-americana sediada em Buenos Aires e
entregue a repertório europeu do Renascimento e do Barroco –, irrompe uma assembleia
de vozes, organizada, conforme posfácio do autor, de acordo com a “Oferenda
Musical”, de Bach. Trata-se de um vertiginoso transtorno numa coleção
predominantemente monofónica no qual desponta, ainda, uma insidiosa figura –
essa, sim, central à trama que une os destinos das personagens – apresentada
como “príncipe assassino, senhor da música”, Carlo Gesualdo (156?-1613),
que “encontrou a sua mulher na cama com outro homem e os matou”. Hoje, quando
se assinalam os 400 anos do falecimento do compositor, presume-se que de muitos
outros crimes fosse culpado e, embora tenha vivido os seus dias à margem da
lei, especula-se continuamente acerca de algo que parece óbvio: que transformou
num castigo para si mesmo a vingança que havia exercido sobre Donna Maria d'Avalos
e seu amante, Fabrizio Carafa.
É à sombra de tão infame reputação que James Wood, diretor do Vocalconsort Berlin, submete
agora um mimético e deslumbrante exercício de reconstrução estilística,
propondo-se a regenerar um testamental segundo volume de motetos sacros para
seis e sete vozes que, inventariado já sem bassus
e sextus, se imagina estar, pelo
menos, há quatro séculos por cantar. Longe da exuberância dos madrigais, mas
nem por isso menos extravagante em termos cromáticos e praticamente contraintuitivo
em matéria melódica, o que aqui se ouve é uma teia de trevas por onde
ocasionalmente brota um raio de luz, pura expiação.
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