13 de abril de 2013

“Gesualdo: Sacrae Cantiones, Liber Secundus” (Harmonia Mundi, 2013)


Vocalconsort Berlin, James Wood

Numa antologia de dez contos publicada em 1980, Julio Cortázar, numa típica combinação de tópicos e trópicos, coloca frequentemente a descoberto as mais factícias e fictícias maquinações. No sétimo, e de forma literal – pois o texto acompanha as deambulações de uma itinerante trupe coral latino-americana sediada em Buenos Aires e entregue a repertório europeu do Renascimento e do Barroco –, irrompe uma assembleia de vozes, organizada, conforme posfácio do autor, de acordo com a “Oferenda Musical”, de Bach. Trata-se de um vertiginoso transtorno numa coleção predominantemente monofónica no qual desponta, ainda, uma insidiosa figura – essa, sim, central à trama que une os destinos das personagens – apresentada como “príncipe assassino, senhor da música”, Carlo Gesualdo (156?-1613), que “encontrou a sua mulher na cama com outro homem e os matou”. Hoje, quando se assinalam os 400 anos do falecimento do compositor, presume-se que de muitos outros crimes fosse culpado e, embora tenha vivido os seus dias à margem da lei, especula-se continuamente acerca de algo que parece óbvio: que transformou num castigo para si mesmo a vingança que havia exercido sobre Donna Maria d'Avalos e seu amante, Fabrizio Carafa. É à sombra de tão infame reputação que James Wood, diretor do Vocalconsort Berlin, submete agora um mimético e deslumbrante exercício de reconstrução estilística, propondo-se a regenerar um testamental segundo volume de motetos sacros para seis e sete vozes que, inventariado já sem bassus e sextus, se imagina estar, pelo menos, há quatro séculos por cantar. Longe da exuberância dos madrigais, mas nem por isso menos extravagante em termos cromáticos e praticamente contraintuitivo em matéria melódica, o que aqui se ouve é uma teia de trevas por onde ocasionalmente brota um raio de luz, pura expiação.

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