Na sua “Oxford History of Western
Music”, Richard Taruskin recorre à metáfora do icebergue para aludir à informação
que, perdida na voragem dos séculos, se vai desprendendo da superfície, afundando-se
pelas profundezas rumo ao esquecimento. Uma prática por si referida é a dos
tratados de instrução técnico-musical, que indicavam aos instrumentistas como adornar
melodias, bordar sequências de acordes, matizar tons, acentuar dinâmicas,
introduzir variações, ou seja, interpretar tudo o que as partituras raramente preservam.
Taruskin não o diz, mas, na literatura, foi Hemingway que postulou uma ‘teoria
do icebergue’ para delinear o processo que permite que os factos concretos
flutuem acima da linha de água enquanto a sua simbólica infraestrutura se
edifica longe da vista. Entre um autor e outro, é de improvisação – como um
princípio que ilude qualquer categorização dogmática – que se fala. E a
pianista Kris Davis, neste sétimo disco da Clean Feed com a sua marca –
contando com o quarteto RIDD, o trio SKM, o grupo Paradoxical Frog e “Novela”,
o álbum de Tony Malaby que orquestrou –, nunca esteve tão próxima de ilustrar estas
ideias. Numa invulgar combinação – acompanhada por Mat Maneri na violeta,
Trevor Dunn ao contrabaixo e pelo casal Ingrid Laubrock, em saxofone tenor, e
Tom Rainey, à bateria – cada uma das suas peças, tão geométrica e
matematicamente concebidas quão etérea e hesitantemente esboçadas, navega entre
o que se compreende e o que apenas se pressente, num espaço de invenção ora
evidente, ora submerso, retalhado por uma sinuosidade linguística e por um
discurso vacilante e solipsista, mas também por um assertivo fluxo de intenções
e um sistemático jorro de valência coloquial. Parte “Viola in My Life”, se Morton
Feldman a tivesse criado para quinteto de jazz, parte, lá está, a comunhão com
o desconhecido.
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