2 de março de 2019

Alexander Hawkins "Iron Into Wind" (Intakt, 2019)


Como emblema, não está nada mal: “O homem que transformou o ferro em vento.” Foi assim que num livrinho de crónicas e curiosidades chamado “Futebol ao Sol e à Sombra” Eduardo Galeano caracterizou Eduardo Chillida, escultor e antigo guarda-redes: “Ele trabalha com materiais pesados – desses que se afundam na terra – mas as suas mãos poderosas atiram ao ar o ferro e o cimento, que, voando, descobrem outros espaços e criam outras dimensões.”De facto, a descrição daqueles arremessos de meio-campo do iraniano Alireza Beiranvand não seria mais certeira. Isto, claro, tendo em mente a conclusão do escritor uruguaio: “Antes, ele fazia o mesmo com o corpo a jogar futebol.” Pois, agora, com este título, é o pianista Alexander Hawkins que indicia admirar os deuses ferreiros, os alquimistas e os inúmeros paradoxos do ludopédio – afinal, quando lhe perguntaram qual o trio de adversários que desejaria confrontar num jogo de tabuleiro, numa entrevista à “Narc”, Hawkins começou por explicar que Garrincha só não era opção pelo simples facto de não saber falar português (e que do mundo dos vivos não hesitaria em escolher Martha Argerich, Anthony Braxton e Maurizio Pollini, ainda que as casas de apostas estivessem contra si, presume-se). 

Como de costume, é tudo muitíssimo revelador – aliás, em depoimentos praticamente junguianos acerca deste “Iron Into Wind” em que anda à cata da “função transcendental”, além de confessar a admiração por Galeano e de explicar que visitou a retrospetiva de Chillida no Rijksmuseum, Hawkins adianta o quanto se deixou influenciar por figuras como Janácek, Arturo Benedetti Michelangeli e Mal Waldron, gente em que valoriza a “aversão ao histrionismo e o desejo de extrair o máximo possível a cada nota musical”. Também tem “ouvido mais os seus contemporâneos, como Eve Risser, Kaja Draksler, Kris Davis ou Craig Taborn”, e tem-no conseguido fazer de modo a sentir-se “mais inspirado do que intimidado” – como concluiu em conversa com a “LondonJazz News”, os seus heróis são “incrivelmente poupados”. O que explica este seu prodigioso disco em que não há uma nota a mais nem a menos – é que, como diria Chillida, “a arte pode ser de mil maneiras, mas é de uma só”.

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