30 de março de 2019

Stile Antico “In A Strange Land” (Harmonia Mundi, 2019)


Ora aí está um programa feito à medida dos leitores do “The New European”, aquela pobre gente que, perto da fuga dissociativa, decerto, se conta entre os cerca de 5 milhões de peticionários que pretendem a revogação do Artigo 50. De facto, é fácil imaginá-los à beira do Canal da Mancha como se estivessem nas margens do Tigre e do Eufrates – aliás, perdeu um ótimo negócio, quem, no ano passado, se eximiu de lançar no mercado uma edição comemorativa do quadragésimo aniversário de ‘Rivers of Babylon’, dos Boney M., direcionada exatamente aos opositores do Brexit. Pois, então, em jeito de compensação, eis que se revisita a mesmíssima metáfora que serviu ao Camões daquela redondilha que diz “Sôbolos rios que vão/ Por Babylonia, me achei/ Onde sentado chorei/ As lembranças de Sião”. No caso, através das jeremiadas de John Dowland (1563-1626), William Byrd (c. 1540-1623), Richard Dering (c. 1580-1630), Peter Philips (c. 1560-1628) ou Robert White (c. 1538-1574), quando se assinalavam os 2000 anos da queda de Jerusalém às mãos de Nabucodonosor e não lhes saía da cabeça o capítulo 2, versículo 22, do “Êxodo” – é que, católicos num país impositivamente protestante, sentiam-se realmente como “um estranho numa terra estranha”. 

Daí, também, as contínuas evocações do Salmo 137, de o “Livro das Lamentações”, suspensas, por um lado, entre a resignação e, por outro, a resiliência: do “Exilado para sempre/ Deixai-me chorar”, de “Flow my Tears” (Dowland), ao “Se me esquecer de ti, Jerusalém/ Fique ressequida a minha mão direita!”, de “Quomodo cantabimus” (Byrd). Inclusivamente, este último, em réplica a um moteto que chegava do continente, saído da pena de Philippe de Monte (1521-1603), um compositor que havia passado por Inglaterra durante o reinado de Maria I, quando se reverteram as reformas contra o catolicismo, e que deixava no ar a questão: “Como entoar a canção do Senhor em terra estranha?”. Agora, a naturalíssima interpretação do Stile Antico lembra uma frase de o “Livro do Desassossego”, de Pessoa: “Sentir tudo isto em cada sentimento, não será isto ser estrangeiro na própria alma, exilado nas próprias sensações?”.

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