16 de março de 2019

Le Trio Joubran “The Long March” (Cooking Vinyl, 2018)

Nascido em Gaza, foi Al-Shafi’i, o pai da jurisprudência islâmica, que terá dito mais ou menos assim: “Viaja para bem longe/ Gasta os sapatos e parte para novas paragens/ Só a água corrente serve para beber/ Só o leão que persegue a presa consegue caçar/ Só a flecha disparada do arco atinge o alvo/ Só o que acompanha o progresso tem valor.” Como é óbvio, há 1200 anos, não contava com a criação do Estado de Israel nem tão-pouco com territórios ocupados. Samir Joubran, aliás, quando quis prosseguir os seus estudos, e salvo um par de exceções, não arranjava maneira de ter o passaporte carimbado por países árabes – afinal, ainda que nazareno, não deixava de ser cidadão israelita. “Acredito que somos nós que pertencemos às cidades, e não as cidades que nos pertencem a nós”, disse recentemente ao “Middle East Monitor”. E, referindo-se à decisão de Trump em transferir a embaixada dos EUA para Jerusalém, acrescentou: “Como é então possível que surja alguém capaz de afirmar que determinado sítio pertence a esta ou aquela gente e a mais nenhuma outra?”

Por sinal, quando soube da notícia, o Trio Joubran – dos irmãos Samir, Adnan e Wissam – sentiu que teria de “sacrificar um dos temas do álbum”, porventura aquele construído em torno da leitura que Mahmoud Darwish havia feito antes de falecer de “O Penúltimo Discurso do Pele Vermelha ao Homem Branco”. E, em inglês, com alguém que face às políticas de Israel usasse as redes sociais como outros usam pedras da calçada – foi assim que em março do ano passado surgiu no YouTube ‘Supremacy’, com Roger Waters a declamar as palavras que Darwish um dia imaginou a sair da boca do Chefe Seattle sem que ninguém aparecesse a comentar: #redface. Agora, em “The Long March”, revelam o take original, em árabe, e Waters participa no elegíaco ‘Carry the Earth’. Isto, a par do sempre fascinante dédalo desenhado pelos seus três alaúdes, é do pouco que joga a favor do disco, resumindo-se o resto a uma aguarela desbotada de música eletrónica orientalista que poderá ter origem no quanto Renaud Letang, o produtor, admira o Jean-Michel Jarre de ‘Orient Express’. Edward Said deu voltas no caixão.

Sem comentários:

Enviar um comentário