16 de março de 2019

Vijay Iyer/Craig Taborn “The Transitory Poems” (ECM, 2019)

Há uns bons dez anos, numa troca de correspondência, perguntava a Ran Blake acerca do LP que gravou com Jaki Byard, “Improvisations” (Soul Note, 1982), uma das mais extraordinárias entradas nesta estranha categoria. “Recordo-me de algumas sensações”, respondia. “Nada de muito concreto, até porque a tendência será concentrarmo-nos só nos nossos próprios defeitos. Mas, quanto a compromissos, posso jurar-lhe que me apercebi a certa altura que o Byard estava a fazer de Blake muito bem e que o Blake não estava lá a ser muito convincente a fazer de Byard!” Pois, aqui, em “The Transitory Poems”, nestoutro dueto de pianos (que não duelo), só a custo, e a espaços, se distinguem um do outro Vijay Iyer e Craig Taborn, tamanha a empatia e a civilidade entre os dois – por sinal, qualidades dispensadas por uma das suas maiores fontes de inspiração, Cecil Taylor, quando aceitou semelhante desafio e tocou ao lado de Mary Lou Williams num estado de excessiva baixeza moral (“Embraced” – Pablo, 1978). Isto, porque Iyer e Taborn dedicam um tema a Taylor e, como é óbvio, porque administram o batismo deste seu sacramento conjunto a partir de uma frase profundamente hipocrática desse seu mestre: “Somos poemas transitórios.”

Aliás, com mais uma dedicatória a Muhal Richard Abrams e outra ainda a Geri Allen – com Cecil, os três recentemente desaparecidos – não há como ignorar que, de facto, como sentenciou Hipócrates, vita brevis, ars longa. Por vezes longuíssima, conceda-se. Este registo da atuação de Vijay e Craig na Academia de Música Franz Liszt, em Budapeste, de há coisa de um ano, tem cerca de 75 minutos… E nem foi preciso sacarem do “Concerto Pathétique”! No fundo, não se pode afirmar que se curvem perante a indulgência rapsódica dos seus mais românticos antecessores – da literatura específica, se tanto, evocam logo a abrir as paisagens baças de “Sonata para Dois Pianos”, de Poulenc, ou, quando observam a etiqueta do contraponto, as da obra homónima com que Stravinsky anunciou o minimalismo. É que introduzem suficiente código nestas suas improvisações para produzir uma espécie de Wikipédia pianística, embora pareçam mais interessados em ocultar ligações do que em pô-las às claras. A isso, em particular, chamou Taylor “assumir um compromisso com a magia”. Estes assinam por baixo.

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