23 de março de 2019

Tim Maia “Tim Maia” (Mr. Bongo, re. 2018)

Em março de 1977, em declarações à revista “Veja”, Tim Maia, esse infatigável paladino do eufemismo, dizia assim: “Faço música de preto. E os pretos precisam se convencer de que chegaram ao mundo dos brancos acidentalmente, em navios negreiros. Olha só isso que chamam de movimento Black Rio: os negros [brasileiros] não passam de xérox dos [negros] americanos, que, por sua vez, imitam os brancos. Não sacam que o negócio é voltar para a África.” Assentindo e batucando com cabeça, tronco e membros, por exemplo, estava o conjunto Alma Brasileira, que, no álbum “Samba Marca Registrada Brasil”, a certa altura cantava: “Eu vou voltar para a Angola/ Angolê, Angolá”. Aliás, quem tinha voltado a – e de – África era Gilberto Gil, convidado a participar no Festac ’77, na Nigéria, e pertencem-lhe alguns dos versos mais significativos do período: “Somo criôlo doido/ Somo bem légau/ Temo cabelo duro/ Somo black pau”, proclamava de modo fonético e algo messiânico em ‘Ilê Ayê’, um dos temas de “Refavela”. 

Na altura, houve quem denunciasse Gil utilizando os mesmos argumentos com que em 1940 se havia condenado Carmen Miranda – só faltou o baiano defender-se com um sambinha intitulado ‘Disseram que Voltei Africanizado’. Na verdade, foi preciso aguardar um par de anos: “[A imprensa] caiu de pau em cima por causa da atitude do disco, que era black. E eles na época estavam todos contra black – não contra negro, mas contra black, a consciência que vem e que é internacional e está ligada a tudo e não é uma coisa brasileira só”, explicava ele ao “Jornegro”, em 1979. Pois, em 1977, essa consciência ficou plasmada numa série de lançamentos importantes mas comercialmente falhos: em “Maria Fumaça”, da Banda Black Rio, em “Pra que vou Recordar”, de Carlos Dafé, em “Nossa História de Amor”, de Hyldon, e nos discos homónimos de Robson Jorge, Gerson King Combo e União Black, que, em ‘A Vida’, exaltava: “Ser black, cantar alegre e unido/ Lutando, o nosso som é uma luta/ É suingue, sentimento, força bruta”. Estavam a querer ensinar a missa ao padre. E Tim, neste LP, respondeu: ‘Pense Menos’ e ‘Não Esquente a Cabeça’. Não era a exortação que se esperava, mas como expoente do funk, no Brasil, deu para arrumar com a concorrência.

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