Textos publicados no semanário português Expresso/ Articles published on the Portuguese weekly Expresso
31 de outubro de 2020
Hélène Grimaud “The Messenger” (Deutsche Grammophon, 2020)
Keith Jarrett “Budapest Concert” (ECM, 2020)
24 de outubro de 2020
“La Locura de Machuca, 1975-1980” (Analog Africa, 2020)
“London Circa 1720: Corelli’s Legacy” & “Il Genio Inglese: Nicola Matteis, A Neapolitan In London” (Harmonia Mundi, 2020)
17 de outubro de 2020
Zazou Bikaye "Mr. Manager" (Crammed, re. 2020)
Catoire: Revived Masterpieces (Challenge, 2020)
Brad Mehldau “Suite: April 2020” (Nonesuch, 2020) & Redman, Mehldau, McBride, Blade “RoundAgain” (Nonesuch, 2020)
10 de outubro de 2020
Rüstem Quliyev “Azerbaijani Gitara” (Bongo Joe, 2020)
"Monsieur de Sainte-Colombe et Ses Filles" (Mirare, 2020)
3 de outubro de 2020
Zonke Family "At the Studio" (Lokalophon, 2020)
Certo dia, intrigado pela súbita e inesperada vinculação da Penguin Cafe Orchestra à música do Zimbabué – cf. ‘Cutting Branches for a Temporary Shelter’, in “Penguin Cafe Orchestra” (1981) –, o jornalista suíço Thomas Bodmer perguntou ao líder da formação, Simon Jeffes, que relação tinha, ao certo, com usos e práticas tradicionais: “Nenhuma! Não tenho qualquer interesse em construções culturais desse género: nessa coisa do quem, quando, onde, como e porquê. É o som, em si, que me desperta a curiosidade: o som, que não é mais que a pura representação do espírito.” De facto, então, e consultando as fontes de que se terá socorrido – as gravações de campo desenvolvidas por Paul Berliner entre 1971 e 1975 e reunidas pela editora Nonesuch em “The Soul of Mbira: Traditions of the Shona People of Rhodesia” (1973) e “Africa – Shona Mbira Music” (1977) –, compreende-se perfeitamente a que Jeffes se referia: apelando um mais ao humano, outro ao divino, trata-se, em ambos os casos, da aplicação do princípio da imanência. Aliás, na apresentação de “Kasahwa: Early Singles” (2018), Stella Chiweshe, expoente feminino do repertório para a mbira, diz-nos que o instrumento “É uma linha direta para o além: para o espírito de pessoas, paus, pedras, pássaros.” Agora, no que se considera o primeiro registo em estúdio do matepe (um primo da mbira com 26 lâminas metálicas), são os irmãos Boyi e Anthony Zonke que nos vêm falar do poder deste intermediário entre os vivos e os mortos (note-se que, no terreno, entre 2011 e 2013, o antropólogo japonês Yuji Matsuhira realizou um conjunto de gravações com os Zonke que divulgou em dois CD-R: “Washora Mambo” e “KwaChenjedza: Matepe Music from Zimbabwe”). Herdeira de um dogma transmitido de geração em geração há uns bons 1300 anos, a família canta sobre a vida na Terra enquanto belisca lamelas com os polegares e os indicadores, os arames mais finos a fugir de dentro da cabaça, vibrando como as pernas de um inseto – zumbindo, gemendo e logo ganhando voz própria, como a máquina de escrever em “O Festim Nu”, de William S. Burroughs, pronta a devorar o mundo. Não é a Família Adams, mas arrepia.