17 de outubro de 2020

Brad Mehldau “Suite: April 2020” (Nonesuch, 2020) & Redman, Mehldau, McBride, Blade “RoundAgain” (Nonesuch, 2020)

Que não só pela perspetiva tipográfica da coisa, quando se vê uma capa como a de “Suite: April 2020”, praticamente arrancada às páginas de um diário ou aos arquivos de uma repartição pública, calcula-se que o assunto seja sério. Recorde-se “The Earth is Not a Cold Dead Place” (2003), dos Explosions in the Sky, “The Faust Tapes” (1973), dos próprios, “Winds of Change” (1967), de Eric Burdon & The Animals e “The Story of Moondog” (1957), dele mesmo. No género, claro, a melhor e ao mesmo tempo a mais subversiva de todas é a de “Go 2”, dos XTC (1978): “Isto é a capa de um disco. Este texto é o design na capa do disco. O design pretende ajudar a vender o disco [etc. etc.] ”, lê-se. Mas os tempos não estão para ironias, e Mehldau aproveita o carácter excecional deste seu registo para avisar que “Suite: April 2020 é um instantâneo musical da vida no último mês no mundo no qual todos nós nos encontrámos.” Como é óbvio, domina mais o piano que a gramática mas, sim, o disco faz jus ao programa de festas (ou infestações). Em ‘Keeping Distance’, por exemplo, traduz metaforicamente o distanciamento social, com as mãos a aproximarem-se gradualmente das extremidades esquerda e direita do teclado e a levarem as relações musicais do tema ao limite. Isto, nos arredores de Amesterdão – se Mehldau vivesse em Rio de Mouro não se imagina que disco teria gravado. Pois, para si – e para os seus, presume-se – ‘Waking Up’, ‘In The Kitchen’, ‘The Day Moves By’, ‘Uncertainty’, ‘Waiting’, ‘Stepping Outside’ ou ‘Stopping, Listening: Hearing’ são mais motivos de admiração do que de apreensão. Mehldau corre, até, o risco de parecer insensível, tamanho o bucolismo – e só lhe falta ir para o jardim a cantarolar com um livro de Auden debaixo do braço, como a Virginia Astley de “From Gardens Where We Feel Secure” (1983). Redime-o uma sequência em que devolve o seu a seu dono – a quem não distinguia um jardim de uma plantação – e termina a tocar ‘New York State of Mind’, de Billy Joel, com Redman, McBride e Blade no pensamento, gente com a qual, aí, 25 anos após “MoodSwing”, levou com “RoundAgain” o jazz de volta aos 90s e tornou a sentir-se seguro.

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