Que não só pela perspetiva tipográfica
da coisa, quando se vê uma capa como a de “Suite: April 2020”, praticamente
arrancada às páginas de um diário ou aos arquivos de uma repartição pública, calcula-se
que o assunto seja sério. Recorde-se “The Earth is Not a Cold Dead Place”
(2003), dos Explosions in the Sky, “The Faust Tapes” (1973), dos próprios,
“Winds of Change” (1967), de Eric Burdon & The Animals e “The Story of
Moondog” (1957), dele mesmo. No género, claro, a melhor e ao mesmo tempo a mais
subversiva de todas é a de “Go 2”, dos XTC (1978): “Isto é a capa de um disco.
Este texto é o design na capa do
disco. O design pretende ajudar a vender
o disco [etc. etc.] ”, lê-se. Mas os tempos não estão para ironias, e Mehldau aproveita
o carácter excecional deste seu registo para avisar que “Suite: April 2020 é um
instantâneo musical da vida no último mês no mundo no qual todos nós nos
encontrámos.” Como é óbvio, domina mais o piano que a gramática mas, sim, o
disco faz jus ao programa de festas (ou infestações). Em ‘Keeping Distance’,
por exemplo, traduz metaforicamente o distanciamento social, com as mãos a
aproximarem-se gradualmente das extremidades esquerda e direita do teclado e a
levarem as relações musicais do tema ao limite. Isto, nos arredores de
Amesterdão – se Mehldau vivesse em Rio de Mouro não se imagina que disco teria
gravado. Pois, para si – e para os seus, presume-se – ‘Waking Up’, ‘In The
Kitchen’, ‘The Day Moves By’, ‘Uncertainty’, ‘Waiting’, ‘Stepping Outside’ ou
‘Stopping, Listening: Hearing’ são mais motivos de admiração do que de
apreensão. Mehldau corre, até, o risco de parecer insensível, tamanho o
bucolismo – e só lhe falta ir para o jardim a cantarolar com um livro de Auden
debaixo do braço, como a Virginia Astley de “From Gardens Where We Feel Secure”
(1983). Redime-o uma sequência em que devolve o seu a seu dono – a quem não distinguia
um jardim de uma plantação – e termina a tocar ‘New York State of Mind’, de
Billy Joel, com Redman, McBride e Blade no pensamento, gente com a qual, aí, 25
anos após “MoodSwing”, levou com “RoundAgain” o jazz de volta aos 90s e tornou
a sentir-se seguro.
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