Cruzei-me com Bony Bikaye no
final dos anos 90, no Zénith, em Paris, durante um concerto de Papa Wemba, e a
conversa foi inevitavelmente parar a Hector Zazou: “Recordo esses tempos com
muita ternura”, dizia-me o congolês. “Em Bruxelas, sentíamo-nos no centro dos
acontecimentos. E tudo parecia possível. Mas discutíamos imenso, as pessoas não
fazem ideia!” Ria-se, e justificava-se: “Íamos em direções opostas: eu, para a
Europa; ele, para África!” Claro que a imprensa tinha percebido tudo ao
contrário – Bikaye podia ser fluente em francês e lingala, ter na ponta da
língua os provérbios com que a espécie adotou o bipedismo, mas convinha que não
fosse instruído em muito mais. “Era difícil livrar-me do estigma de que havia
ficado instantaneamente contemporâneo graças ao meu encontro com o Hector,
quando, na verdade, também eu, então, o via como uma extensão de mim mesmo,” lembrava,
com reticência. Tinham-se conhecido em 1983, perfilhado a binariedade no
singularíssimo “Noir et Blanc” (com Guillaume Loizillon e Claude Micheli) e até
a designação que escolheram o dava a entender: Zazou Bikaye, como um apelido
composto. “O nosso grande feito foi o ‘Mr. Manager’[1985]”, admitia Bikaye.
“Limámos as arestas mais provincianas um do outro, aplicámos uma espécie de
verniz mundano ao que fazíamos e, de repente, por mais atuais que quiséssemos
parecer, tínhamos em mãos um objeto não identificado em que não se dava, já, pelo
Hector Zazou ou pelo Bony Bikaye, apesar de continuar palpável em Zazou Bikaye o
que eles representavam individualmente, percebe?” Comparando a exemplares
mestiçagens do período – o homónimo dos Touré Kunda; “Gorée”, dos Xalam; “Synchro
System”, de King Sunny Adé; “À Paris”, de Mory Kanté, “Medecine”, de Ray Lema; “Electric
Africa”, de Manu Dibango –, o seu maior atrevimento foi o de confirmar que a ‘música
do mundo’ não tinha de estar ancorada num tempo e espaço específicos, que
bastava ligá-la à corrente, e, como comprova a presente edição, com nove faiscantes
temas adicionais, esperar pelo momento em que fizesse curto-circuito. E, no
Zénith, quando nos despedimos, ao apertar a mão de Bikaye senti um choque!
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