Em 1889, frustrado e desiludido com o meio musical
moscovita, Georgy Catoire (1861-1926) foi viver para o campo. Fonte de alegria
e amargura, como recordação, leva consigo um andamento do seu primeiro quarteto
de cordas, em cuja pauta se lê a seguinte apreciação: “Ou muito me engano ou
este Andante – com um ou outro lapso formal – foi tecido a partir de um
conjunto de peças distintas. É belo, mas ainda se vêem as costuras – Pyotr Ilyich
Tchaikovsky.” Incapaz de se desfazer de um documento assinado por tão decisiva
figura na sua formação (“Estou maravilhado com o seu talento”, escreveu
Tchaikovsky), conservou-o até ao fim dos seus dias, mesmo se decidiu pulverizar
o quarteto. Semelhante destino teve um outro quarteto, inventariado como Op. 4,
jamais publicado ou, decerto, escutado. Décadas depois, em Moscovo, nos
arquivos do Museu da Música, deu-se não só pelo Andante desse quarteto inicial como
também com um quinteto que o próprio Catoire adaptou do segundo – estão ambos aqui,
em estreia mundial. Daí, um título tão categórico – pois, de um compositor que
parecia ter como expoente camerístico o “Trio”, Op. 14 (igualmente neste CD), revela-se
agora um par de extraordinárias peças que obriga a rever a música russa do
período. De facto, tanto ou mais que Tchaikovsky, o quinteto e o Andante de
Catoire têm um polo magnético em Wagner e outro em parte incerta, russa, sim,
mas, por isso, e quando comparada à do Grupo dos Cinco, diversamente russa –
uma Rússia cosmopolita, germanizada, em que a tradição não fosse
simultaneamente ponto de partida e de chegada. Diga-se, a propósito, que se
trata de obras que aderem aos princípios da Arte Nova – “Uma linha é uma força
tão elementar como as outras. Muitas linhas opostas conjugam muitas forças
mais,” disse Henry Van de Velde, algo que a impulsiva, densa, mas fluida e
elegante escrita de Catoire traz à memória, como um Rachmaninoff em estado
febril. Seja como for, no quinteto, um motivo folclórico congela a ação e sente-se-lhe
o pescoço a apertar: o apelo da pátria não tanto o cachecol que conforta quanto
a corda que enforca – e nunca dele esteve Catoire tão perto de se livrar.
Sem comentários:
Enviar um comentário