4 de janeiro de 2014

Abelardo Carbonó “El Maravilloso Mundo De…” (Vampisoul, 2013)



Há alguma candura no modo de relatar as torções que o guitarrista colombiano Abelardo Carbonó aplicou à genealogia musical latino-americana. Porque, no fundo, a mais interessante decorrência desta alucinada ação – maioritariamente captada entre 1980 e 1982 – é, precisamente, aquela que, em termos estéticos, permite retratar a quimificação das substâncias deglutidas e sua consequente excreção num produto que, senão inteiramente novo, se revelava de inédito sentido de propriedade face às transitórias comunidades que pilhava, traduzia e das quais se tornava não menos volátil referência. Lendo o diarístico relato de Etienne Sevet e Lucas Silva – organizadores da compilação e reconhecidos investigadores de vernáculo – no livreto desta antologia, ao invés, deteta-se um ritual filosoficamente arcaico e marcado pela ipseidade, ou seja, pela inventariação do caráter particular, individual, único de Abelardo. Pouco se conta de um processo coletivo que resultou da fricção entre periferia e centros urbanos, entre códigos regionais e nacionais, das suas inclusões e exclusões, colisões e coligações. E menos ainda se diz acerca da velocidade com que, imediatamente após cada gestação, tudo o que se produzia logo se tornava datado. Aliás, a maior perversão na presente curadoria, que documenta enunciados tão fascinantes quão efémeros, consiste na ressurreição artística do seu sexagenário objeto – a confirmar ao longo de 2014.

Trata-se aqui, por isso, de um sistema de amalgamento e, forçosamente, de perceção e conceção da própria imagem, ancorado em maleáveis formulações afro-colombianas (como o porro, a cumbia e o vallenato) ou em derivações rítmicas antilhanas e transatlânticas (com ênfase nas modas que chegavam de Kinshasa, Abijão, Iaundé ou Nairobi e, sinceramente, em tudo o que viesse à rede), melhor veiculado naquilo que se designou por champeta, manifestação cultural associada às mestiçagens e, não sem elitismo, aos pobres. Mas, como facilmente se comprova em qualquer estação de rádio ou televisão de Bogotá, Medellín ou Barranquilla, nada comprometeu as suas capacidades de transcendência ou travou a sua epidémica conquista de espaço nos circuitos comerciais colombianos. É – assimo consideraram Carmen Abril e Mauricio Soto no artigo “Entre la champeta y la pared” – como um “fenómeno de habitus generacional y colectivo”, que na sua mais recente vaga ganhou o epíteto de “terapia crioula”. Depois de “Palenque Palenque” (Soundway, 2010), “The Afrosound of Colombia” (Vampisoul, 2010) ou “Diablos del Ritmo” (Analog Africa, 2012), eis de novo este mundo tão recente em que tanto ainda carece de nome, imune a convencionalismos, precioso como um talismã, violentando a realidade.

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