Entre outras formas de o caracterizar, poderá
falar-se do período de transição do disco
sound para o do pós-disco sound
como o da relocação – do coletivo para o individual – da experiência do êxtase.
E no meio de muitas portas fechadas uma houve que se abriu: a que permitia
distinguir uma sincera vocação de heterodoxia, como no caso de William Onyeabor.
Na Nigéria, de onde provém, no entanto – especificamente na da Segunda República, de Shehu Shagari –, simbolizada na sucessiva capitulação de bandas
como MonoMono, Tirogo, Ofege, Lijadu Sisters, Blo ou Funkees, tamanha dissociabilidade
era, ao invés, marcada pela elevação do DJ à condição de messias. Isto é, no
virar da década de setenta para a de oitenta, lançavam-se em Lagos os foguetes
quando nos EUA – relembre-se a “Disco Demolition Night”, de 1979 – se apanhavam
já as canas. Numa exemplar antologia consagrada a essa época, “Brand New Wayo”
(Comb & Razor Sound, 2011), escrevia Uchenna Ikonne, seu organizador: “Suportámos
o custo de uma hedionda guerra civil [a do Biafra] e começámos a tirar proveito
da crise do petróleo [com origem no embargo da OPEP, em 1973], até que,
finalmente, nos livrámos dos militares e demos por nós com o naira a valer o
dobro do dólar! Não queriam que comemorássemos? Trouxemos cá Kool & the
Gang, Brass Construction, Shalamar ou Skyy e deleitámo-nos nas discotecas com tanta
elegância e opulência.” De facto, até a festa acabar – com o fim da democracia,
em 1983 –, e ouvindo ainda “Nigeria Disco Funk Special” (Soundway, 2008) ou
“Lagos Disco Inferno” (Academy LPs, 2010), torna-se difícil afiançar que, na
altura, outra produção qualquer no mundo concentrasse de modo tão soberbo todos
os vícios da sua era. Por tudo isso, e também pela inclusão de temas seus em “Nigeria70” (Strut, 2001) ou “World Psychedelic Classics 3: Love's A Real Thing – The Funky Fuzzy Sounds of West Africa” (Luaka Bop, 2005), há muito que se tomou o elusivo
Onyeabor – que hoje se recusa a discutir outro assunto que não Jesus Cristo – como
mais um esteta dedicado à eternização da febre de sábado à noite. Mas os
esforços combinados de colecionadores contribuíram para que se tomasse
consciência da sua singularidade artística. Ou seja, é agora claro que a sua
música, autoeditada entre 1977 e 1985, estaria mais à vontade em compilações
como “Disco Not Disco” (Strut, 2000), “Mutant Disco” (Ze, 2003) ou “New YorkNoise” (Soul Jazz, 2003) do que naquelas em que efetivamente figurou. O mais
próximo que a Nigéria esteve de gerar o seu próprio Arthur Russell? Porque não?
Contrariamente ao que se costuma dizer, não há apenas um só tempo e lugar para
tudo.
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