Por vezes, e não raramente quando
se presume inequívoca, a crítica musical possui efeitos consuetudinários. No
caso de Ahmad Jamal, porventura por só a muito custo se formar uma ideia exata
acerca de sessenta anos de gravações, é frequente formularem-se as coisas em
termos excecionais, salvaguardando-se o carácter único do seu percurso,
sublinhando-se as distinções no seu estilo, propondo-se cada um dos seus álbuns
como um irredutível sermonário. Ora, além de se provar errada, esta história do
pianista alheio a modas e indiferente a categorias – que não as por si
iniciadas – tem algo daquele provérbio do relógio parado que fica certo duas
vezes ao dia. E dissimula a obediência a uma outra doutrina ainda mais
perniciosa: a que defende que, no jazz, a contemporaneidade implica sempre
algum tipo de compromisso. Ou seja, neste domínio, a crescente familiaridade
com os objetos à disposição em determinada altura supõe-se perversamente subordinada
a uma aspiração ao anonimato em tudo contrária à mitologia do género. Mas não terá sido apenas para fornecer matéria-prima futura a De La Soul, DJ Premier, Pete Rock ou Madlib que um dia Jamal tocou ‘Wave’, de Jobim, ‘Ghetto Child’,dos Spinners, ‘Trouble Man’, de Marvin Gaye ou ‘Black Cow’, dos Steely Dan. Na
realidade, essas e tantas outras ilustres páginas de música popular que
chegaram ao seu piano serviram um propósito especificamente ambíguo: revelar um
inegável talento em tornar eloquente qualquer passagem melódica e
simultaneamente moderar a expressividade harmónica nas suas inventivas
interpretações. “Saturday Morning” – com o mesmo grupo de “Blue Moon” – é nessa
medida exemplar, sedado até aparentar ser inerte, exploratório até parecer
instintivo.
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