15 de fevereiro de 2014

Zehetmair Quartett: Beethoven, Bruckner, Hartmann, Holliger (ECM, 2013)



Não será necessário vasculhar excessivamente pelos arquivos para se dar com programas tão imaginativos quanto este. Aliás, um tempo houve em que a ECM secretariava recitais em que eram as obras a descodificar-se umas às outras – recordem-se, nessa perspetiva, os discos de Thomas Demenga, mas também o recente “Il Cor Tristo”, do Hilliard Ensemble, transita por quatro séculos, já para não referir o grémio do Dowland Project, que sobre o abismo coloca a própria noção de cronologia. Desta feita, tornam meio e mensagem a surgir cifrados, e descortinar as razões por detrás deste alinhamento pode dar origem a arrazoados especialmente obscuros: afinal, são 180 os anos que medeiam o “Quarteto nº 16 em Fá maior, Op. 135”, de Beethoven, apresentado em 1828, do “Quarteto nº 2”, de Holliger, estreado precisamente pelo Zehetmair, em 2008. Mais desconcertante ainda: entre um e outro estão o anacrónico “Quarteto em Dó menor, WAB 111”, de Bruckner, escrito em 1862 mas resgatado ao esquecimento em 1951, e o nº 2, de Hartmann, que assinalou o fim da Segunda Guerra Mundial e pôs termo ao “exílio interior” do compositor. Agora, afigurar-se-á deliberadamente críptico dizer que melhor se entende o que aqui está rumando do fim ao princípio – ou, então, trata-se de sublinhar o que já se sabe: que nada, nem a sombra da morte, houve de perecedouro em Beethoven. Mas a verdade é que só nos derradeiros instantes do quarteto de Holliger, assombrados pela plangência vocal dos instrumentistas, tudo se ilumina, quando na pauta se indica “singbarer Rest”, alusão ao “resíduo cantável” de Celan, testemunho que, mais do que acerca de música, isto pode ser sobre a memória dos homens que a música fabrica. E nessa medida é desarmante.

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