M. Azizoglu, G. Csík, I. Derebei, G. Dinçer, B. Dugic,
L. Elmaleh, M. Figueras, H. Güngör, T. Limberger, M. Mauillon, A. Medunjanin, N.
Nedyalkov, S. Outchikova, D. Psonis, Z. Spyridakis, A. Szalóki, Y. Tokcan,
Há cerca de 300 anos,
Andrew Fletcher, arauto do nacionalismo escocês – assunto uma vez mais na ordem do dia
–, mencionou qualquer coisa do género: “O homem a que fosse permitido compor
todas as baladas de uma nação não haveria de se importar com quem lhe redigisse
as leis”, porventura sob o pressuposto de que mais facilmente flui da pena de
um poeta do que da de um legislador o efetivo retrato do comportamento e
aspirações de todos quanto vivem em sociedade. Semelhante conjetura não deverá
parecer estranha a Jordi Savall, que na apresentação
desta imponente edição que
expande o anteriormente postulado por “
Esprit des Balkans” (trata-se, agora, de
quase quatro horas em CD, e ensaios, material gráfico, textos cronológico e
lírico, em 12 línguas, derramados pelas 600 páginas de um livro) escreve: “A
música é a mais espiritual de todas as artes; e é, por excelência, a arte da
memória: existe apenas quando um cantor ou um instrumentista a faz viver, e é
então – com a beleza de uma voz ou a vitalidade de uma dança embriagando-nos os
sentidos – que se consubstancia no nosso pensamento.” A consequência de tal
consolidação é um pouco mais matizada do que o que este originário da Catalunha
– essoutro terreno fértil para o separatismo –, com bonomia, sugere (“intensos
mas fugidios instantes que trazem paz e alegria ou ternura e nostalgia aos
nossos corações”), mas convirá não ignorar que Savall reflete acerca de uma
região em que, de acordo com a formulação de
Predrag Matvejevic, “o passado
submerge a História”, isto é, em que, ao olhar-se para trás, se observa mais o
mito do que a realidade.
Savall deduz outro tanto, mas não assume
que tão especulativo tratamento dos factos dificilmente se compatibiliza com a
abordagem historicista que aparenta patrocinar. Mas basta atentar à
decomposição etimológica deste título – bal
e kan são as palavras turcas para mel
e sangue – para se verificar que não menospreza em absoluto a ambiguidade
naquilo que propõe. E ainda que uma outra frase sua dê mostras de dever à
fantasia (“Na península dos Balcãs, as tradições do mundo eslavo viviam em
perfeita harmonia com tradições mais recentes, como o islão, trazido pelos
turcos, ou o judaísmo, trazido pelos ladinos.”), serve de cartão-de-visita para
o que conduz o ouvinte até ao século IV, e ao Império Bizantino, comportando
pelo caminho expressões tradicionais, folclóricas e populares búlgaras,
sérvias, macedónias, turcas, cipriotas, húngaras, albanesas, romenas, bósnias,
gregas, sefarditas e ciganas veiculadas por quatro dezenas de intérpretes, e
que constrói um mosaico subordinado a um ciclo idealizado por Montserrat
Figueras antes de falecer: “Criação: Universo, Encontros & Desejos”,
“Primavera: Nascimento, Sonhos & Celebrações”, “Verão: Encontros, Amor
& Casamento”, “Outono: Memória, Maturidade & Viagem”, “Inverno:
Espiritualidade, Sacrifício, Exílio & Morte” e “(Re)conciliação”. É óbvio
que quanto ao certo se vai achar tudo isto interessante depende de quanto se
aprecia a figura de Savall. O que não chega a impedir que se sinta empatia por
toda esta música – por vezes mais comovente que convincente – que tem
precisamente como mais-valia em tempo algum se ter visto, assim, conciliada com
a esperança. Ouvi-la é passear alternadamente por um cemitério, por um campo de
batalha, por uma biblioteca arruinada, e é, simultaneamente, tão natural quanto
respirar. É sobreviver.