Hespèrion XX, Jordi Savall
(d)
Nunca fica verdadeiramente fora de
moda, a melancolia. E o mesmo se pode dizer dos seus cultores. Lembrou-o há
pouco o Murakami de “1Q84” ao permitir que duas personagens tomassem “chá
ouvindo a música de Dowland e contemplando as azáleas que floresciam como
labaredas no jardim.” Há cerca de 400 anos eram atores de Shakespeare os
propedeutas, cobrindo com conselhos os ouvidos moucos de Hamlet. E também então
era Dowland que se ouvia. Aliás, não se imagina melhor acompanhamento para a
leitura de “Tratado de Melancolia” (1586), de Timothy Bright, embora a
tendência seja associar a sua música ao mais influente “Anatomia da Melancolia”
(1621), de Burton. De qualquer das maneiras, ao contrário de tão eruditos
tomos, os versos de John Dowland (1563-1626) não se desvirtuaram com o passar
dos séculos, nem sequer redundâncias juvenis como as de “Tristeza, Fica”: “Nenhuma
esperança, nenhuma ajuda me resta/ e para baixo, baixo, baixo, baixo eu caio.”
Não há, de facto, cura para os males do espírito. Talvez por isso tenham os
anos oitenta dado luz ao Dowland Consort e os da década passada ao Dowland Project, tão diferentes entre si quão variadas eram as suas prescrições de ignorar
absolutamente o presente ou inteiramente o abraçar, adaptando-se, no entanto, a
obra do compositor a ambas. Jordi Savall sabia-o em 1987 quando gravou este memorável
disco e não será agora, que o reedita, que lhe desconhecerá as propriedades
paliativas. Parece propor a questão: se Dowland derramou estas lágrimas sobre o
túmulo do Período Isabelino, olhará para os sepulcros que a cada dia o rodeiam
quem hoje se comover com o seu gesto?
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