Perde-se no tempo, um título destes
que é quase um incentivo à imoralidade. E Caine, de quem se fala como se de um
sociólogo do jazz se tratasse, não é nenhum estranho ao impulso de restituir ao
género uma certa malícia. Por isso, talvez, uma visita a estúdio nada etiológica.
Aliás, conforme frisa a sua ficha técnica, este álbum – de originais, o
primeiro a solo desde “Solitaire” (2001) – foi registado “de um fôlego, sem
cortes, diretamente para um gravador analógico.” O que se nota sempre que se dá
por algo que está a escapar ao controlo do seu operador, o perseguidor acossado
pelo objeto que tenta alcançar. ‘Perving Berlin’ é tão delicado a evocar o seu
dedicatário quão grosseiro é o jogo de palavras que o representa, ‘Everything
is Bullshit’ lembra vagamente uma citação de Charlie Parker, ‘The Magic of Her
Nearness’ destila os tiques de baladeiro de Carmichael, ‘Greasy’ traz à memória
uma frase de Herbie Nichols, e o que de mais persuasivo isto possui é que Caine
só muito obliquamente se refere ao assunto que aparenta ser a razão de ser de
cada um dos temas. Claro que quer o pianista quer Stefan Winter, o seu editor de
há 20 anos, sabem que outro tipo de abordagem – guiada, quiçá, pela tepidez
historicista – correria o risco de falhar o alvo. Mas Caine, que tanto cultiva
o eruditismo por via do anedótico, já absorveu demasiada música para que
qualquer forma canónica de que se socorre mais não seja que mera curiosidade.
Tudo isto chega ao ouvinte de modo arbitrário sem deixar de sugerir um par de
questões essenciais: que vestígio pode hoje haver da enorme popularidade que o
jazz um dia gozou, e que decisivas relações se estabelecem entre aqueles que o compõem
e os que, como Winter, o produzem.
"o primeiro a solo desde “Solitaire” (2001)"?
ResponderEliminarUri Caine, "Moloch" (2006)
Na frase não considerei "Moloch" por tratar, esse, exclusivamente de composições de John Zorn. Daí ter escrito assim "de originais, o primeiro a solo desde Solitaire".
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