15 de março de 2014

Uri Caine “Callithump” (Winter & Winter, 2014)



Perde-se no tempo, um título destes que é quase um incentivo à imoralidade. E Caine, de quem se fala como se de um sociólogo do jazz se tratasse, não é nenhum estranho ao impulso de restituir ao género uma certa malícia. Por isso, talvez, uma visita a estúdio nada etiológica. Aliás, conforme frisa a sua ficha técnica, este álbum – de originais, o primeiro a solo desde “Solitaire” (2001) – foi registado “de um fôlego, sem cortes, diretamente para um gravador analógico.” O que se nota sempre que se dá por algo que está a escapar ao controlo do seu operador, o perseguidor acossado pelo objeto que tenta alcançar. ‘Perving Berlin’ é tão delicado a evocar o seu dedicatário quão grosseiro é o jogo de palavras que o representa, ‘Everything is Bullshit’ lembra vagamente uma citação de Charlie Parker, ‘The Magic of Her Nearness’ destila os tiques de baladeiro de Carmichael, ‘Greasy’ traz à memória uma frase de Herbie Nichols, e o que de mais persuasivo isto possui é que Caine só muito obliquamente se refere ao assunto que aparenta ser a razão de ser de cada um dos temas. Claro que quer o pianista quer Stefan Winter, o seu editor de há 20 anos, sabem que outro tipo de abordagem – guiada, quiçá, pela tepidez historicista – correria o risco de falhar o alvo. Mas Caine, que tanto cultiva o eruditismo por via do anedótico, já absorveu demasiada música para que qualquer forma canónica de que se socorre mais não seja que mera curiosidade. Tudo isto chega ao ouvinte de modo arbitrário sem deixar de sugerir um par de questões essenciais: que vestígio pode hoje haver da enorme popularidade que o jazz um dia gozou, e que decisivas relações se estabelecem entre aqueles que o compõem e os que, como Winter, o produzem.

2 comentários:

  1. "o primeiro a solo desde “Solitaire” (2001)"?

    Uri Caine, "Moloch" (2006)

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  2. Na frase não considerei "Moloch" por tratar, esse, exclusivamente de composições de John Zorn. Daí ter escrito assim "de originais, o primeiro a solo desde Solitaire".

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