Ensemble Resonanz, Jean-Guihen Queyras (vc, d)
No epistolar “Die Geschichte einer Liebe in Briefen”, encontra-se, num escrito de Berg de 23 de outubro de 1926
endereçado a Hanna Fuchs, uma descrição confessional desta “Suíte Lírica”.
Tratou-se, à data da sua descoberta, em meados dos anos 70, de um achado
hermenêutico que permitiu entender a obra enquanto “admissão da nossa experiência
amorosa”, isto é, como resultado de uma relação extraconjugal. Sabe-se que a índole
dessa ligação foi sobretudo platónica (Helene Berg, numa carta a Alma Mahler,
falou da necessidade do seu marido em “construir obstáculos” para melhor enquadrar
“paixões”), mas permanecem úteis frases como: “o primeiro movimento (…) é farto
em cifras que expressam o nosso secreto relacionamento”; “no segundo (…), mesmo
um ouvinte de que nada suspeite sentirá alguma da ternura que me anima quando
penso em ti”; “o terceiro narra a natureza inocente e murmurante do nosso encontro”;
“o quarto, a luminosa consciência do nosso amor”; “o quinto, o relampejante
delírio”; “por fim, apenas desespero e aflição”. A suíte, para quarteto de
cordas, estreou a janeiro de 1927, quando o único divórcio de que se falava era
o da tradição com a modernidade, embora prove, antes, que uma peça dodecafónica
poderia conter memórias românticas tanto quanto um novo amor se alimenta dos
que o precederam. Berg orquestrou três andamentos, e Theo Verbey, em 2006, como
Cerha fez com “Lulu”, transcreveu os restantes, que agora Queyras e o Resonanz gravam
com febril dedicação. Como apêndice, uma “A Noite Transfigurada”, composta pelo
mentor de Berg em 1899, mais matricial e redentora que profética ou anátema, de
eminente simbolismo dramatúrgico.
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