25 de abril de 2014

"Tropicália", de Marcelo Machado




Arranca este “Tropicália” e, ao som de “O analfomegabetismo/ Somatopsicopneumático”, versos iniciais de ‘Alfômega’, surgem Caetano Veloso e Gilberto Gil, tímidos e curiosos perante um tribunal de herdeiros de Pêro Vaz de Caminha. Pela plateia, e pela cabeça de Carlos Cruz e Raul Solnado, que flanqueiam os brasileiros mal termina a atuação, parece ecoar nervosamente a conclusão do escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral na sua carta a D. Manuel I: o melhor “será salvar esta gente”. O tom é simultaneamente informal e solene: é agosto de 1969 e Caetano e Gil estão a caminho do exílio após dois meses de cadeia e outros quatro em prisão domiciliária. O seu destino é Londres, mas param em Lisboa e o que sentem nesta passagem pelo “Zip-Zip” é o perfume da Primavera Marcelista, ainda que de política nem um pio e Cruz os aponte como “nomes bastante positivos de uma música moderna de vanguarda no Brasil”. Perguntam-lhes se o que fazem se subordina ao Tropicalismo, e Caetano responde: “O nome de um movimento só existe enquanto o movimento existe. E o Tropicalismo não existe mais.” É deste modo que o documentário mata o seu tema logo quando começa. O gesto é apropriado. Afinal, também o programa “Divino, Maravilhoso”, tropicalista até à medula, o enterrou assim que em outubro de 1968 foi para o ar. Dir-se-ia, por essas e por outras, que, aqui, mais do que descodificar didaticamente esses acontecimentos de 1967, 1968 e 1969, por exemplo, se indicia querer encriptá-los mais. Para tal, recorre-se a um manancial de imagens de arquivo e deglutem-se Glauber Rocha, José Celso ou Hélio Oiticica. Um momento de desatenção, e lá se vão os clipes dos festivais, as passeatas, as torturas, os depoimentos, a mocidade que quanto mais cai mais ama o mergulho no vazio. No fim, novamente Gil e Caetano, quase septuagenários, são os protagonistas e a audiência, olhando-se na tela iluminada pela sua própria juventude, transfigurados pelo passar dos anos e pelo testemunho extemporâneo da sua ação, a História a fazer-se e a desfazer-se. Na trilha sonora: ‘Back in Bahia’.

Estreia em Portugal

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