Arranca este “Tropicália” e, ao som
de “O analfomegabetismo/ Somatopsicopneumático”, versos iniciais de ‘Alfômega’,
surgem Caetano Veloso e Gilberto Gil, tímidos e curiosos perante um tribunal de
herdeiros de Pêro Vaz de Caminha. Pela plateia, e pela cabeça de Carlos Cruz e
Raul Solnado, que flanqueiam os brasileiros mal termina a atuação, parece ecoar
nervosamente a conclusão do escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral na sua
carta a D. Manuel I: o melhor “será salvar esta gente”. O tom é simultaneamente
informal e solene: é agosto de 1969 e Caetano e Gil estão a caminho do exílio
após dois meses de cadeia e outros quatro em prisão domiciliária. O seu destino
é Londres, mas param em Lisboa e o que sentem nesta passagem pelo “Zip-Zip” é o
perfume da Primavera Marcelista, ainda que de política nem um pio e Cruz os aponte
como “nomes bastante positivos de uma música moderna de vanguarda no Brasil”.
Perguntam-lhes se o que fazem se subordina ao Tropicalismo, e Caetano responde:
“O nome de um movimento só existe enquanto o movimento existe. E o Tropicalismo
não existe mais.” É deste modo que o documentário mata o seu tema logo quando começa.
O gesto é apropriado. Afinal, também o programa “Divino, Maravilhoso”,
tropicalista até à medula, o enterrou assim que em outubro de 1968 foi para o
ar. Dir-se-ia, por essas e por outras, que, aqui, mais do que descodificar
didaticamente esses acontecimentos de 1967, 1968 e 1969, por exemplo, se indicia
querer encriptá-los mais. Para tal, recorre-se a um manancial de imagens de
arquivo e deglutem-se Glauber Rocha, José Celso ou Hélio Oiticica. Um momento
de desatenção, e lá se vão os clipes dos festivais, as passeatas, as torturas, os
depoimentos, a mocidade que quanto mais cai mais ama o mergulho no vazio. No fim,
novamente Gil e Caetano, quase septuagenários, são os protagonistas e a
audiência, olhando-se na tela iluminada pela sua própria juventude,
transfigurados pelo passar dos anos e pelo testemunho extemporâneo da sua ação,
a História a fazer-se e a desfazer-se. Na trilha sonora: ‘Back in Bahia’.
Estreia em Portugal
Sem comentários:
Enviar um comentário