Perdoe-se a sobredose de ciência social, mas, pela sua proximidade, há,
em 2014, dois factos dignos de nota nas relações entre Reino Unido e Balcãs:
primeiro, enodoado pela assunção de superioridade civilizacional, registe-se o
intenso debate público que se seguiu à eliminação, em janeiro, das restrições à imigração de cidadãos provenientes de Estados-membros da União Europeia como a Bulgária ou a Roménia; segundo, marcado por um insaciável apetite por tudo o
que exale o odor do exotismo, repare-se no sucesso na tabela britânica de
vendas, em fevereiro e março, dos novos discos do sérvio Boris Kovac, dos bósnios Mostar Sevdah Reunion, da búlgara Gergana Dimitrova com o grupo Belonoga ou dos romenos Fanfare Ciocarlia. Dir-se-iam, um e outro, o resultado
de comparáveis erros de interpretação: aos que apenas veem os ciganos – porque,
no fundo, é disso que se trata – como uma ameaça ao virtuosismo moral parecem
contrapor-se aqueles que os observam exclusivamente à luz do
arrebatamento sensorial. Nada de novo, portanto. Praticamente inédita, porém,
será a perspicácia que presidiu à elaboração desta surpreendente antologia de canções
com origem jugoslava que, lembrando a advertência de Danilo Kis, tinha tudo
para sair monopolizada pela linguagem das ideologias. Ao invés, os seus
organizadores – Philip Knox e Nathaniel Morris (como não poderia deixar de ser,
um par de londrinos) –, principalmente através de Esma Redzepova, Muharem Serbezovski ou Saban Bajramovic, propõem o que nunca antes se ouviu desta
maneira: a música cigana enquanto símbolo e expressão de cosmopolitismo.
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