Na
receção crítica à produção de Dave Douglas privilegiam-se habitualmente aspetos
concetuais face aos contextuais. E este álbum, que assinala um duplo
aniversário do seu criador – trigésimo de discografia e quinquagésimo de vida –,
emerge como um paradigma dessa crucial ambivalência. Porque, quando Douglas, no
livreto desta edição, se refere a “The New Time Travelers”, um ensaio de David
Toomey publicado em 2007, está a evocar dois postulados – o dos factos
temporalmente estáticos e o dos factos temporalmente dinâmicos – que podem ser,
também, modelos de apreciação artística. O que é o mesmo que dizer: se passado, presente e futuro são imanências
da realidade, entende-se “Time Travel” como a mais recente etapa num contínuo inquérito
à história do jazz moderno iniciado há três décadas; mas se forem uma pura
ilusão da consciência, este disco não é mais do que um objeto proveniente da transitória
intuição de um prodigioso quinteto constituído ainda por Jon Irabagon, Matt Mitchell, Linda Oh e Rudy Royston. Ora a
arte é, argumentar-se-á, o único domínio em que as duas teorias não se
excluem mutuamente. Atente-se a ‘Bridge to Nowhere’: o seu motivo coral
excentricamente semitonado, numa composição harmonicamente dominada por acordes
aumentados, lembra tanto Monk que a meio da peça Irabagon toca ‘Epistrophy’. E
veja-se o caso de ‘Beware of Doug’, que mantém em segundo plano a ‘Dixie’ da
Guerra da Secessão sem assumir jamais a forma da marcha folclórica, ou de uma
‘Little Feet’, marcada por uma fascinante inquietação rítmica apesar de provir do
acalanto de ‘Hush, Little Baby’. Trata-se de uma graciosa
e tátil formulação que pressupõe uma engenhosa e deliberada construção mas cujo
desenvolvimento depende de algo mais elusivo: da noção de que, neste
particular, não obstante sabermos menos sobre um do que sobre o outro, o futuro
é tão real quanto o passado.
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