Este terceiro volume que Samy Ben Redjeb consagra à
Poly-Rythmo através da sua Analog Africa funciona tanto como uma homenagem à
memória de Mélomé Clément – fundador do grupo, falecido em dezembro último – quanto
como um referencial para a década de extasiada arquivologia em torno da
discografia da orquestra beninense, cumprida desde que em 2003 a P.A.M. lançou “Reminiscin'
in Tempo”. De facto, a presente compilação é a mais fiel exposição em disco daquela
heteróclita polimatia rítmica patenteada por Clément ao lado de Loko Pierre,
Vincent Ahehehinnou, Lohento Eskill, Léopold Yehouessi ou Bernard ‘Papillon’
Zoundegnon, a que se aludiu apenas num já esgotado “Kings of Benin Urban Groove”
(Soundway, 2004), e da qual o próprio Redjeb jamais se acercou nos introdutórios
“The Vodoun Effect” (2008) e “Echos Hypnotiques” (2009). No entanto, foi exatamente
pela sua evangélica ação que – a par da experiência de Bembeya Jazz, Tom Zé,
Orchestra Baobab, Boubacar Traoré, Mulatu Astatke ou dos cubanos do clube Buena
Vista – também a Poly-Rythmo ilustrou o extravagante versículo de Mateus (o de “ressuscitai
os mortos…”) voltando, em 2011, efetivamente ao mundo dos vivos com “Cotonou
Club” (Strut), e daí até aos palcos globais, personificando, na música, uma
espécie de síndrome de São Lázaro capaz de reanimar mesmo as mais desgraçadas carreiras.
É por aqui, pela justaposição das sincopadas cadências do jerk (leia-se soul e funk), vodu, cavacha, sato, pachanga, sakpata, afrobeat ou da
portentosamente designada ‘bossa afro’, que melhor se traduz a ideia de “fluxo
e refluxo” que em finais dos anos 60 Pierre Verger aplicava ao tráfico entre o
Golfo do Benim e a Baía de Todos-os-Santos; isto é, celebra-se a crónica da
redirecção para África de um complexo cultural previamente transmutado e já devida
e definitivamente transfigurado. Essencial.
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