No
passado dia 18 de agosto, a fim de se instalar na República Dominicana, o
madrileno Diego El Cigala aterrava com a sua família no Aeroporto Internacional
de Las Américas e, algo perversamente, a sua ação trazia à memória as linhas de
um poema de Pedro Mir – “Balada do Exilado” – composto nos anos 50, no momento
em que, escapado ao regime do Generalíssimo Trujillo, residia em Cuba o
escritor dominicano: “Peço o que mais me pertence/ A minha pátria/ Pela sua dor
e pela minha/ Pelo seu sangue e pelo meu sangue/ Pela minha ausência e pela sua
ausência/ Eu cantando baladas por terras de exílio/ Ela em cristais de açúcar
por costas estrangeiras”. Era o desfecho de um plano anunciado em abril, por ocasião
da primeira edição deste novo álbum, distribuída pelo diário El País, quando, em
declarações à agência EFE, o cantor concluía ter de partir por não haver
“futuro em Espanha”. “Não me conformo”, dizia: “Tenho 45 anos e assisti a uma
hecatombe como nunca imaginei. Pais que se mataram para pagar carreiras a
filhos que agora têm de emigrar”. No Caribe estará perto de Miami, Nova Iorque,
Havana, Buenos Aires ou Cidade do México, de um mercado americano que o “adora”,
prosseguia a notícia, lembrando que na sua pátria se contavam pelos dedos de
uma mão as solicitações para espetáculos. “Aqui não há cultura, não há
concertos nem promotores”, afirmava Cigala: “A situação das editoras é
anedótica e ainda por cima dá-se esta subida do IVA. Como não hão de sair à rua
pessoas a manifestar-se? Amo Espanha mas chega uma altura em que este estado de
coisas te asfixia e se trabalhas é para as Finanças”. Rematava: “Parto enojado
por senhores como Bárcenas, Rajoy e Aznar, a roubar desde os anos 90”.
“Romance
de la Luna Tucumana” não é o resultado deste retiro mas, até pela sua filiação
espiritual em Mercedes Sosa, que lhe provou o sabor amargo, antes, a indicação de
que o tema do exílio ocupava há muito a mente de Cigala. Porventura desde
“Cigala&Tango”, o seu CD de 2010 consagrado – essencial mas não
exclusivamente – à canção de Buenos Aires, que ganha agora continuação. Talvez
por isso, e contrariando um certo paradigma interpretativo de pendor populista,
este é o seu disco mais literário, em que a liberdade do canto jamais se
sobrepõe ao rigor da letra. Aqui, como quando em palco, pela voz dos atores, se
cumpre um texto de um dramaturgo, trata-se de testemunhar a transmutação naqueles
que encontram nas palavras de outrem os sentimentos que habitavam já, quiçá
indecifravelmente, dentro de si. O que lança outra luz sobre ‘Naranjo en flor’,
com o verso “Primero hay que saber sufrir/ Después amar/ Después partir/ Y al
fin andar sin pensamiento” não tanto a evocar uma desfloração – o seu assunto
real – quanto a enunciar o esquecimento enquanto endereço final do desgosto. E o mesmo se dirá
acerca de ‘Déjame que me vaya’, ao ouvir-se: “Aunque me duela el alma/ Tan solo
pienso en irme/ No quiero estar mañana/ Crucificado y triste”. Cigala, num insólito
cenário criado pela guitarra de Diego García – com um twang surripiado a Duane Eddy – e pela percussão do mestre cubano
Changuito, grita e, por uma vez, como em ‘Canción de las simples cosas’, é para
que se ouça a si próprio: “Por eso muchacho/ No partas ahora/ Soñando el
regresso/ Que el amor es simple/ Y las cosas simples/ Las devora el tiempo”. O flamenco, esse, permanece a sua primeira fatalidade e a
sua derradeira fantasia.