Arranca numa salva à bateria, por
Martin France, e conjetura-se o mais improvável dos cenários: que Wheeler, num
nostálgico sobressalto de octogenário, iludiu o melindre de filigraneiro com
que habitualmente cercava as suas composições, enxertando-as agora com aquela robusta
energia que, ao lado de Wolfgang Dauner ou Albert Mangelsdorf, ignificou nos
idos do United Jazz+Rock Ensemble. Evidentemente, não é de todo isso o que aqui
se passa. Mas serve o alerta para acentuar uma indispensável característica no
percurso deste inconfundível trompetista: a da evasão. Pois é axiomático que,
por exemplo, mãos-cheias de temperamentais registos de jazz britânico
(tutelados por Joe Harriott, John Dankworth, Mike Westbrook, John Surman, Tony
Oxley, John Stevens, Ian Carr, Tony Coe ou Graham Collier) atingiram
inesperadas latitudes em virtude dos siderais arcos por si desenhados. O que, a
talhe de foice, fornece pistas para que se compreenda uma discografia paralela
de constituição esquizoide. De facto, durante anos, a sua ação, circúnvaga de
agentes nada tangenciais, parecia a de um destrambelhado político, em ilícita
convolação. Desde 1975, a associação à ECM (em nome próprio, nos Azimuth e na família alargada da editora – Arild Andersen, Rainer Brüninghaus, Ralph Towner, Dave
Holland, Bill Frisell) regularizou-a, mas também a liofilizou. Por isso, muito
do que fez se apresenta como um exercício de revelação e ocultação, conducente
a paradoxos, em que figura um de insuperável poesia: na sua mais contundente
expressão, Wheeler toca etereamente a partir de um sítio em que não há música
alguma. O material aqui reunido – gravado, em 2008, com John Taylor, Stan Sulzmann, Bobby Wellins, Chris Laurence e France, e reminiscente de elegantes
álbuns em quinteto de meados de 80 – confirma quanto se ganha ao ouvi-lo.
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