19 de outubro de 2013

Tim Berne’s Snakeoil “Shadow Man” (ECM, 2013)



Houve sempre algo de descoroçoante nas extensas improvisações de Tim Berne. Como se o seu heroico voluntarismo fosse na realidade uma forma distorcida de sonegação. Beneficiando de uma conjuntura – a do pós-punk – em que imprevisibilidade e incoerência se confundiam, mesmo nos seus mais dispersos registos se identificava um teor vingativo praticamente compulsório embora perversamente cativante. Só em “Mutant Variations” (1984) ou “Sanctified Dreams” (1988) pareceu tecnicamente à altura das suas ambições, justapondo materiais até níveis hemorrágicos mas igualmente capaz de desobstruir artérias com aparente facilidade. “Fractured Fairy Tales”, título do seu LP de 1989, mantém-se um retrato exato das suas composições. Seguiram-se-lhe álbuns cruciais com Caos Totale ou Bloodcount, nos quais a sua intransigência se provou ilimitada, a roçar o ensimesmado onirismo, e em que ensaiou estratégias dignas de fascinar um morfologista. Até que tudo o que de mais climatericamente volátil havia esboçado ganhou consistência em “Science Friction” (2002), escultórico, denso, de um inusitado sentido de justiça. Foi à porta de um dos responsáveis por essa façanha – o atmosférico guitarrista e produtor David Torn – que Berne foi agora bater para o segundo tomo do seu quarteto na ECM. É uma redundante artimanha, que deprecia ligeiramente a entrega, estrenuamente testada, de Matt Mitchell (teclados), Oscar Noriega (clarinetes) e Ches Smith (percussão), pondo a descoberto uma escrita com carências. Ou melhor, como quem retoma um antigo vício, e apesar de, a espaços, se atingir aqui a estruturada fluidez da obra-prima “Snakeoil” (2012), quanto mais Berne conjetura menos interessante se torna, e chega a soar rapsódico por tanto aspirar à monumentalidade. São vicissitudes naquilo que se destina a viver à sombra de um clássico.

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