5 de outubro de 2013

Pergolesi: Septem verba a Christo (Harmonia Mundi, 2013)


Akademie für Alte Musik Berlin, René Jacobs (d)

Excarcerados manuscritos em remotos mosteiros, imagina-se a descodificação de cifras à luz de um círio, desenredando a trama à medida que se desfiam rosários, tentando pôr fim a décadas de contendas intelectuais e mistérios bibliográficos. Por isso, dir-se-ia escrito por Umberto Eco o livreto que acompanha esta edição, no qual se resumem descobertas de Reinhard Fehling que, de momento, afiançam não termos em mãos outra supositícia obra de Giovanni Battista Pergolesi (1710-1736). E, dada a magnificência da sua arquitetura, em boa hora o musicólogo alemão persuadiu René Jacobs a estreá-la. Ciclo de sete cantatas, consagrado às sete palavras de cristo na cruz, funciona como um didático oratório: a uma ária em que Jesus explica o significado da palavra – representado pelo baixo Konstantin Wolff e, numa cantata apenas, de forma invulgar, pelo tenor Julien Behr – sucede-se outra destinada à anima, a alma fiel, veiculada pelo soprano Sophie Karthäuser, pelo contratenor Christophe Dumaux e igualmente por Behr. O diálogo é retórico: invariavelmente, após uma confutação intermédia, uma secção final em da capo confirma a argumentação inicial. Mas, mais em simetria com as peças operáticas de Pergolesi do que propriamente com as sacras, a exaltante relação musical com a dimensão teológica das ‘sete palavras’ nunca é previsível e nenhuma recapitulação embaraça a fluidez da narrativa. Há achados harmónicos e instrumentais geniais, reforçados pelo dinamismo da orquestra: por exemplo, ao ré maior radiantemente divino, e enfunado por régias trompas, de “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem”, responde, em dó menor, numa transição insolitamente guiada por uma harpa, essa alma pecadora cujo desamparo é sublinhado por trompetes com surdina. Trata-se de uma crucial adição ao cânone, magistralmente dirigida e interpretada.

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