Akademie für Alte Musik
Berlin, René Jacobs (d)
Excarcerados manuscritos em remotos
mosteiros, imagina-se a descodificação de cifras à luz de um círio,
desenredando a trama à medida que se desfiam rosários, tentando pôr fim a
décadas de contendas intelectuais e mistérios bibliográficos. Por isso, dir-se-ia
escrito por Umberto Eco o livreto que acompanha esta edição, no qual se resumem
descobertas de Reinhard Fehling que, de momento, afiançam não termos em mãos outra supositícia obra de Giovanni Battista Pergolesi (1710-1736). E, dada a
magnificência da sua arquitetura, em boa hora o musicólogo alemão persuadiu
René Jacobs a estreá-la. Ciclo de sete cantatas, consagrado às sete palavras de
cristo na cruz, funciona como um didático oratório: a uma ária em que Jesus
explica o significado da palavra – representado pelo baixo Konstantin Wolff e,
numa cantata apenas, de forma invulgar, pelo tenor Julien Behr – sucede-se outra
destinada à anima, a alma fiel,
veiculada pelo soprano Sophie Karthäuser, pelo contratenor Christophe Dumaux e
igualmente por Behr. O diálogo é retórico: invariavelmente, após uma confutação
intermédia, uma secção final em da capo
confirma a argumentação inicial. Mas, mais em simetria com as peças operáticas
de Pergolesi do que propriamente com as sacras, a exaltante relação musical com
a dimensão teológica das ‘sete palavras’ nunca é previsível e nenhuma
recapitulação embaraça a fluidez da narrativa. Há achados harmónicos e
instrumentais geniais, reforçados pelo dinamismo da orquestra: por exemplo, ao
ré maior radiantemente divino, e enfunado por régias trompas, de “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem”,
responde, em dó menor, numa transição insolitamente guiada por uma harpa, essa
alma pecadora cujo desamparo é sublinhado por trompetes com surdina. Trata-se
de uma crucial adição ao cânone, magistralmente dirigida e interpretada.
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