Angela Hewitt (p)
O programa não podia ser mais
genérico: “Música para Piano”. E, no entanto, um primeiro exame, em que de
pronto se dá pela ausência de “Barcarolas” ou “Improvisos”, reforça a ideia de
que a algum desígnio obedece esta incursão de Angela Hewitt pela obra de
Gabriel Fauré. Dada ao eufemismo, a canadiana sublinha o seguinte, no texto em
que apresenta o projeto: “É surpreendente verificarmos que, em 1845, o ano em
que Fauré nasceu, Schumann estava a completar o “Concerto para Piano”, que
Chopin escrevia a sua terceira sonata e que Berlioz planeava a estreia de
“Danação de Fausto”; e que, em 1924, quando morreu, já o “Pierrot Lunaire”, de
Schoenberg, tinha doze anos”. Dito de outra maneira: se pensarmos que a mais longínqua
das peças agora reunidas – a “Balada, Op. 19”, de 1879 – era, digamos, do tempo
da guerra entre o Império Britânico e o Reino Zulu, e a que nos está mais
próxima – o “Noturno nº 13 em Si menor,
Op. 119”, de 1921 – foi contemporânea à atribuição do Nobel da Física a
Einstein, percebemos que a pianista se está a preparar para evocar um testemunho
de eras que se diriam inconciliáveis. E, de facto, é raro surgir alguém
empenhado em desviar o impressionismo daquele modorrento pântano em que se julgaria
cativo. Contrariando práticas comuns, Hewitt arrisca uma articulação mais vigorosa,
a espaços indolente, nesta música que, ainda que despida do manto do
misticismo, evita continuamente a vulgaridade. Aqui, e a leitura de “Tema e
Variações, Op. 73” é exemplificativa disso mesmo, Fauré não é responsável por páginas
ora excessivamente subsidiárias ora vagamente insubordinadas, mas sim por singulares
formulações que indiciam uma progressiva tomada de consciência face a um ponto
hoje evidente: apesar de se ter provado mais transitória que definitiva, a
produção do francês jamais abdicou da dignidade.
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