23 de novembro de 2013

Mostly Other People Do the Killing “Red Hot” (Hot Cup, 2013)

Um dos mais sugestivos álbuns de 2011 foi “Science of the Sea”, reedição da música criada, em 1979, pelo biólogo marinho Jürgen Müller para servir de banda-sonora em filmes com expedições subaquáticas. Numa diáfana tessitura tão sedante quão sujeita a espumosos arpejos, dir-se-ia a mais poética representação do mar desde Debussy. Mas tratava-se de uma efabulação, imputada, desde então, ao produtor contemporâneo Panabrite. O seu ato de imaginação – mas, mais ainda, uma receção que indicia que os melómanos preferem boas estórias a boa música – trazia à memória a frase com que, em 1935, Fritz Kreisler, após assunção de que tinha sido ele, de facto, o autor de peças atribuídas a Couperin ou Vivaldi, respondeu aos reclamantes: “podem mudar o nome que o valor se mantém o mesmo”. Ou seja, substituiu uma fabricação universal, reconhecida como autêntica, por outra particular, logo tida como falsa. Mas o que estes testemunhos apócrifos provam é que sem eles não se compreende totalmente o contexto histórico a que se referem, nem, muito menos, aquele em que são gerados – além de possuírem semelhante importância devocional à que se desenvolve na apreciação do dogma. Talvez por isso, inexcedíveis em vaidade e descaramento, reincidam uns ampliados MOPDtK (adicione-se Brandon Seabrook, Ron Stabinsky e David Taylor a Moppa Elliott, Kevin Shea, Jon Irabagon e Peter Evans) na ‘arquivologia mágica’, reavivando aqui a obra dos ficcionais Brimstone Corner Boys, cuja atividade escrutinam num livreto que cruza lendas da Grande Depressão com relatos de combustão humana espontânea e evocações das cidades-fantasma da Pensilvânia. O modelo – atente-se numa capa que mimetiza a da antologia “Birth of the Hot” – é o dos Red Hot Peppers, de Jelly Roll Morton, nivelados pelo rolo compressor de décadas de convulsões artísticas. Perfeitamente voltaico.

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