Waed Bouhassoun (al, v), Hamam Khairy (perc, v), Oumeima
Khalil (v), Hespèrion XXI, Jordi Savall (d)
No terreno, não obstante a chegada
da “assistência letal” norte-americana aos “militantes moderados”, é a
linha-dura islamita que se moraliza. E, de acordo com o Observatório Sírio dos Direitos Humanos, o número de mortes ascende a 120.000, enquanto um boletim das Nações Unidas prevê que se ultrapassem em breve os oito milhões de refugiados na zona. Na sombra, divisões mais profundas – entre blocos sunita e xiita ou entre
curdos e cristãos – somadas à tensão criada por décadas de Guerra Fria exacerbada
pela mais fatídica engenharia social e pela crescente insanidade que – numa estratégia
de dissuasão face à ameaça nuclear israelita – permitiu a proliferação de armas
químicas. Por tudo isto, de facto, não se sabe o que vai ser do regime de Assad,
ou se uma democracia ou uma teocracia o substituirá. Reagindo a tanta
intolerância e carnificina, Savall lembra agora milhares de anos de História, deixando
que a música renda a retórica. Tendo em “Jérusalem”, “Pro Pacem” ou “Balkan
Spirit” transformado o Hespèrion XXI numa ‘sociedade das nações’, e porque tem consciência
de que é mais fácil destruir sucessivas administrações parciais do que edificar
uma perene e universalmente justa no seu lugar, presta assim – num balsâmico e
ocasionalmente deslumbrante programa de “danças, orações, canções e lamentos”
mergulhado em “séculos de tragédia, injustiça e fanatismo” – um “tributo ao
povo sírio” com o objetivo de contrariar “esta amnésia que tanto nos
desumaniza”. O que daí resulta – de cantos árabes a melopeias pré-islâmicas, de
polifonia profana a melodias sefarditas, de ritmos do cristianismo primitivo a ecos
em catedrais bizantinas – evoca o epigrama de Meleagro de Gadara que, há mais de dois mil anos, dizia ser a Síria “um país/ que é o mundo inteiro”.
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