3 de maio de 2014

Barry Guy New Orchestra “Amphi – Radio Rondo” (Intakt, 2014)



É frequentemente especulativo o caráter das peças para formação alargada de Barry Guy. “Radio Rondo” anda literalmente às voltas com a ideia do rondó, ainda que a sua inspiração derive de um gesto tão fortuito quanto o acender de um rádio. Quem conhece a sua primeira versão (gravada em 2008) sabe ao que vem: assistir a sutis gradações numa massa eruptiva algo cosmogónica – um acontecimento ciclicamente decomposto, fragmentado, ameaçado, e cuja episódica repetição é um modelo de continuidade estrutural. Claro que muito resulta do acaso: há incisões nessa espessa unidade orquestral – sujeitas às preferências dos executantes – que, por exemplo, em termos de textura ou cor, dependem em absoluto de não elegerem os instrumentistas tocar simultaneamente a mesma nota. Ou seja, uma traiçoeira transmissão de pensamentos e logo aquele impressionante maciço tonal ficaria chato como uma planície. Há aqui uma desmistificação da apregoada telepatia que rege a música improvisada – ou, então, trata-se de um pretexto para uma provocante aplicação da teoria da probabilidade, pois jamais se reproduzem as matizes que cada variação origina. Também “Amphi” é praticamente genesíaca no modo de gerir emanações de um solista (Maya Homburger em violino barroco) sem acentuar tensões entre todas as coisas opostas de que nos possamos lembrar (e o passado de Guy em ensembles liderados por John Eliot Gardiner ou Christopher Hogwood é apenas uma delas). No fim, com as suas orgânicas correlações, estranhas funções, obrigações e anomalias, fica a sensação de que se sabe tanto destas criações quanto acerca do que se passa no nosso corpo. São assim tão fascinantes.

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