É frequentemente especulativo o
caráter das peças para formação alargada de Barry Guy. “Radio Rondo” anda
literalmente às voltas com a ideia do rondó, ainda que a sua inspiração derive de
um gesto tão fortuito quanto o acender de um rádio. Quem conhece a sua primeira
versão (gravada em 2008) sabe ao que vem: assistir a sutis gradações numa massa
eruptiva algo cosmogónica – um acontecimento ciclicamente decomposto,
fragmentado, ameaçado, e cuja episódica repetição é um modelo de continuidade
estrutural. Claro que muito resulta do acaso: há incisões nessa espessa unidade
orquestral – sujeitas às preferências dos executantes – que, por exemplo, em
termos de textura ou cor, dependem em absoluto de não elegerem os
instrumentistas tocar simultaneamente a mesma nota. Ou seja, uma traiçoeira transmissão
de pensamentos e logo aquele impressionante maciço tonal ficaria chato como uma
planície. Há aqui uma desmistificação da apregoada telepatia que rege a música
improvisada – ou, então, trata-se de um pretexto para uma provocante aplicação
da teoria da probabilidade, pois jamais se reproduzem as matizes que cada
variação origina. Também “Amphi” é praticamente genesíaca no modo de gerir emanações
de um solista (Maya Homburger em violino barroco) sem acentuar tensões entre
todas as coisas opostas de que nos possamos lembrar (e o passado de Guy em ensembles liderados por John Eliot
Gardiner ou Christopher Hogwood é apenas uma delas). No fim, com as suas
orgânicas correlações, estranhas funções, obrigações e anomalias, fica a
sensação de que se sabe tanto destas criações quanto acerca do que se passa no
nosso corpo. São assim tão fascinantes.
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