10 de maio de 2014

Dino Saluzzi Group “El valle de la infancia” (ECM, 2014)



Na sua ação tangencial à música erudita, ao folclore, ao tango, ao jazz, é costume sublinhar-se o que de aproximado há nesses materiais tão diversos, conquanto se distinga Dino Saluzzi precisamente por todos manter à distância. Ou seja, fosse o argentino menos rigoroso nas suas evocações e dir-se-ia produzir uma arte de ausências, silenciada por uma inconfessável afetividade. Nessa perspetiva, “El Valle de la Infancia” flutua entre a autobiografia e a memória, e remete para o lugarejo em que nasceu, Campo Santo, na cordilheira oriental da província de Salta, à sombra dos Andes, num tempo anterior à rádio e à eletricidade, praticamente precedente à palavra, que simultaneamente se saúda e esconjura. Não tivesse o tema tanta prevalência na sua obra e tomar-se-ia esta gravação por um prolongamento do ensaiado quase há dez anos em “Juan Condori” – também então, como agora, se socorrendo Dino do irmão Cuchara, do filho José María e do sobrinho Matías. O enquadramento familiar permite tratar saudades comuns, mas não torna a operação menos ficcional. Até quando reconstitui fielmente a época que recorda, por intermédio de zambas de Mario Arnedo Gallo, Atahualpa Yupanqui ou Ariel Ramírez (o compositor de “Missa Crioula”), o disco responde mais a um impulso de criação do que propriamente de recriação. Talvez por isso não sucumba à nostalgia. Isto é, o seu autor está aqui como a criança que ao nomear o mundo está a pô-lo em movimento, a tomar posse da sua origem e consigo a carregá-la para sempre. Pega no bandoneón e pensa-se em versos de um patrício seu, Manuel J. Castilla: “si alguno me tocara las manos/ se iría enloquecido de eternidad”.

Sem comentários:

Enviar um comentário