Na sua ação tangencial à música erudita, ao folclore, ao
tango, ao jazz, é costume sublinhar-se o que de aproximado há nesses materiais tão
diversos, conquanto se distinga Dino Saluzzi precisamente por todos manter à distância.
Ou seja, fosse o argentino menos rigoroso nas suas evocações e dir-se-ia produzir
uma arte de ausências, silenciada por uma inconfessável afetividade. Nessa
perspetiva, “El Valle de la Infancia” flutua entre a autobiografia e a memória,
e remete para o lugarejo em que nasceu, Campo Santo, na cordilheira oriental da
província de Salta, à sombra dos Andes, num tempo anterior à rádio e à
eletricidade, praticamente precedente à palavra, que simultaneamente se saúda e
esconjura. Não tivesse o tema tanta prevalência na sua obra e tomar-se-ia esta
gravação por um prolongamento do ensaiado quase há dez anos em “Juan Condori” –
também então, como agora, se socorrendo Dino do irmão Cuchara, do filho José
María e do sobrinho Matías. O enquadramento familiar permite tratar saudades
comuns, mas não torna a operação menos ficcional. Até quando reconstitui fielmente
a época que recorda, por intermédio de zambas
de Mario Arnedo Gallo, Atahualpa Yupanqui ou Ariel Ramírez (o compositor de
“Missa Crioula”), o disco responde mais a um impulso de criação do que
propriamente de recriação. Talvez por isso não sucumba à nostalgia. Isto é, o
seu autor está aqui como a criança que ao nomear o mundo está a pô-lo em
movimento, a tomar posse da sua origem e consigo a carregá-la para sempre. Pega
no bandoneón e pensa-se em versos de
um patrício seu, Manuel J. Castilla: “si
alguno me tocara las manos/ se iría enloquecido de eternidad”.
Sem comentários:
Enviar um comentário