Mala Punica, Pedro
Memelsdorff (d)
Anacrónico por razões inconfundíveis com as da atual
conjuntura de alterações climáticas, há um verso num soneto de Petrarca – em “S'amor
non è, che dunque è quel ch'io sento?”, redução da retórica amorosa aos
contraditórios impulsos que do poeta se apoderam sem consentimento, absurdos, irresolúveis,
antitéticos – que dá ideia do espanto com que há vinte anos atrás se testemunhou
o alvor do grupo Mala Punica: “tremo em pleno verão e ardo no inverno”, lia-se
no trecento e, agora, sentia-se no
final do século XX perante “Ars Subtilis Ytalica: Polyphonie pseudo-Française
en Italie, 1380-1410”, uma pioneira exegese da italiana ars subtilior (a “arte
mais subtil”) realizada a partir de um manuscrito da Biblioteca Estense, em
Módena, recheado de insólitas criações de Bartholomeus de Bononia, Anthonello
de Caserta, Matteo da Perugia ou Antonio Zacara da Teramo.
E o que esse esforço paleográfico descobria não era, apenas, o prosseguimento
do modelo dominante do período (confronte-se o disco com “Ars Magis Subtiliter”, do Ensemble P.A.N.,
editado na mesma altura e consagrado, este, ao Códice de Chantilly), mas algo
que podia definir-se como a mais depurada e antiga ilusão de liberdade total
até então encontrada em música. Quando em 1995 e 1996 chegaram “D’Amor
Ragionando: Ballades du neo-Stilnovo en Italie, 1380-1415” e “En Attendant:
L'Art de la citation dans l'Italie des Visconti, 1380-1410”, adicionou-se à
equação o stilnovismo toscano, Landini
ou Ciconia, a tensão do Grande Cisma ou o madrigal heráldico da família
Visconti e, de certa forma, compôs-se um tríptico (em boa hora reunido em caixa)
que não é nada senão um ato de fé.
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