Carolyn Sampson (v), Cappella
Amsterdam, Estonian Philharmonic Chamber Choir, Estonian National Symphony
Orchestra, Daniel Reuss (d)
A 26 de março de 1962, numa carta dirigida a Pierre Bernac
(barítono, dedicatário de tantas das suas canções), prevenia Francis Poulenc
(1899-1963): “Concluí as ‘Ténèbres’. E em nada me arrependo do tempo e cuidado
que lhes consagrei. Tenho, assim, com o ‘Gloria’ e o ‘Stabat’, três peças
religiosas como deve ser. Que me privem de passar dias excessivos no
purgatório, caso evite de todo o inferno.” O seu epistolário lê-se como uma contínua
contrição, afetada pelo que muitos consideram uma partilha pouco ética de
conceitos, mas intui-se neste desabafo uma manifestação daquela moral que,
aqui, fazia teatro a partir de frases como “nenhum coração se compadece com a
morte dos justos” (no ‘Ecce quomodo moritur justus’, de “Sept Répons de
Ténèbres”) ou “quando o meu corpo morrer, possa a minha alma merecer, do Paraíso,
a glória” (no ‘Quando corpus morietur’, de “Stabat Mater”). Mais espiritual do
que litúrgico – conhecidíssima a segunda, rarissimamente gravada a primeira – trata-se
de um par de obras cifrado por uma biografia em crise: e, mais do que promover um
crucial debate artístico, servem habitualmente para que impliquem os crentes
com a homossexualidade e os interessados no mesmo sexo com a fé (o compositor,
católico, sugeriu um dia que o “segredo” do “Stabat Mater” era Lucien Roubert,
seu companheiro), quando é óbvio que ambas as caracterizações se equivocam ao
tornar implícito que Poulenc seria incapaz de exprimir sentimentos sinceros.
Nas mãos de Reuss, com Sampson particularmente eficaz, tudo isto se prova o
drama de consciência que realmente foi.
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