24 de maio de 2014

Poulenc: Sept Répons De Ténèbres; Stabat Mater (Harmonia Mundi, 2014)




Carolyn Sampson (v), Cappella Amsterdam, Estonian Philharmonic Chamber Choir, Estonian National Symphony Orchestra, Daniel Reuss (d)


A 26 de março de 1962, numa carta dirigida a Pierre Bernac (barítono, dedicatário de tantas das suas canções), prevenia Francis Poulenc (1899-1963): “Concluí as ‘Ténèbres’. E em nada me arrependo do tempo e cuidado que lhes consagrei. Tenho, assim, com o ‘Gloria’ e o ‘Stabat’, três peças religiosas como deve ser. Que me privem de passar dias excessivos no purgatório, caso evite de todo o inferno.” O seu epistolário lê-se como uma contínua contrição, afetada pelo que muitos consideram uma partilha pouco ética de conceitos, mas intui-se neste desabafo uma manifestação daquela moral que, aqui, fazia teatro a partir de frases como “nenhum coração se compadece com a morte dos justos” (no ‘Ecce quomodo moritur justus’, de “Sept Répons de Ténèbres”) ou “quando o meu corpo morrer, possa a minha alma merecer, do Paraíso, a glória” (no ‘Quando corpus morietur’, de “Stabat Mater”). Mais espiritual do que litúrgico – conhecidíssima a segunda, rarissimamente gravada a primeira – trata-se de um par de obras cifrado por uma biografia em crise: e, mais do que promover um crucial debate artístico, servem habitualmente para que impliquem os crentes com a homossexualidade e os interessados no mesmo sexo com a fé (o compositor, católico, sugeriu um dia que o “segredo” do “Stabat Mater” era Lucien Roubert, seu companheiro), quando é óbvio que ambas as caracterizações se equivocam ao tornar implícito que Poulenc seria incapaz de exprimir sentimentos sinceros. Nas mãos de Reuss, com Sampson particularmente eficaz, tudo isto se prova o drama de consciência que realmente foi.

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