9 de março de 2013

Guarnieri: Piano Music 1 (Naxos, 2013)



Max Barros

O recital inicia-se com “Dança Negra”, “Dança Brasileira” e “Dança Selvagem”, espécie de arcada supraciliar numa fisionomia folclorista que encabeçava o corpo nacionalista arquetipicamente desenhado por Mário de Andrade em plena ‘Era Vargas’. Mas em meia dúzia de minutos já a ação se instala no âmago de uma produção mais exogâmica, pese embora a aparente escravidão conceptual: foi, de facto, através dos 50 “Ponteios”, escritos entre 1931 e 1959, que Mozart Camargo Guarnieri (1907-1993), compositor paulista que passou grande parte da vida e da posteridade a responder por uma bacoca “Carta aberta aos músicos e críticos do Brasil”, irrefletidamente redigida em 1950, circum-navegou os arriscados redemoinhos da teoria musical de meados do século XX. Max Barros, concertista com provas dadas na matéria, e cujo virtuosismo é inteligentemente subordinado à invenção de cada peça, revela-se um notável descodificador de uma cinética mais ontológica do que irónica – com indicações de tempo como ‘desconsolado’, ‘com profunda saudade’, ‘angustioso’ ou ‘dengoso, mas sem pressa’ – e articula exemplarmente frases de estrutura irregular, num discurso polifónico marcado por elipses e elisões que ocultam um caráter monotemático. Absorvendo a qualidade intimista da modinha e da toada, o ciclo deriva do ‘pontear’, a preambular verificação da afinação feita por um violonista antes de tocar, e, nessa perspetiva, é um regionalista e aforístico concentrado de contrastes, algures entre os “Prelúdios” de Chopin e os de Shostakovitch, com deslumbrantes linhas melódicas sobre ostinati, fluxos e refluxos de acordes espelhados, súbitas alterações de dinâmica, atmosférico cromatismo e dramática ambivalência tonal. A par das “Cirandas” de Villa-Lobos e dos “Tangos” de Ernesto Nazareth, porventura o ápice do repertório solístico brasileiro para piano.

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