Millenarium
Numa década, a partir de 1998, o
conjunto Millenarium, fundado por Christophe Deslignes e Thierry Gomar, operou uma
extática e libertária incursão pelo repertório medieval - com enfática
concentração em códices, música instrumental e poesia trovadoresca - através de
sete gravações para a Ricercar que, reunidas nesta coleção, se medem pelos mais
esotéricos, cerimoniais e elucidativos manifestos gerados pelos homólogos Hespèrion
XX, Clemencic Consort ou Ensemble Organun. Começando com “The Masters of the
Florentine Organetto”, promoveram uma ação virtuosa, e estabeleceram uma prática
de proficiência técnica dada à improvisação, cuja expressividade é, neste caso,
sublinhada pelo emprego do órgão portativo e do recurso a idiofones e
membranofones da bacia do Mediterrâneo. O mesmo distinto e, porventura, hermético
multiculturalismo que, já em “Joy: Troubadours’ Songs and Joungleurs’ Dances” e “Douce Amie”, lançados em 2000 e 2001,
cria um vibrante fresco em que cabe o amor cortês, trovas do errante Bernard de
Ventadorn, retratos de malabaristas e jograis, pastorelas de Thibaut de
Champagne ou canções de gesta do ciclo das cruzadas, num enquadramento
conceptual eminentemente contemporâneo. Perspetiva essencial para a teatral
reconstituição – com “Tempus Transit”, registado em 2004, e “Officium Lusorum”,
em 2005 – de páginas da “Carmina Burana”, que se escuta como uma negociação
entre o sagrado e o profano à luz dos goliardos, e que atinge o zénite na encenação
de uma paródica e transgressora ‘missa dos batoteiros’ no âmbito das folias das
festas dos loucos. Por fim, em “Danza” (2007), relembra-se a função ritualista
da música do pré-Renascimento e, em “Llibre Vermell” (2007), a devoção
mariana do manuscrito de Monserrate, símbolo de tolerância e herança
espiritual, perfeito cair do pano para a atividade do grupo.
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