A canção era de Ivan Lins e Vítor
Martins, que, como tantos, da sua posse foram destituídos no instante em que Elis
a fez sua, e dizia “perdoem a cara amarrada/ perdoem a falta de abraço/ perdoem
a falta de espaço/ os dias eram assim”, implorando “perdoem por tantos perigos/
perdoem a falta de abrigo/ perdoem a falta de amigos/ os dias eram assim”, para
concluir: “e quando passarem a limpo/ e quando cortarem os laços/ e quando
soltarem os cintos/ façam a festa por mim”. Chamava-se ‘Aos Nossos Filhos’ (Elis
gravou-a em “Saudade do Brasil”, em 1980) e Maria Rita não a incluiu em
“Redescobrir”, no qual, não obstante, trata de a seguir à letra. De facto, que
se saiba, nenhuma outra carta lhe deixou a mãe quando, em 1982, tinha ela
quatro anos, se despediu de si pela última vez, partindo naquele, ampla e
sensacionalmente, mediatizado embalo de álcool e cocaína. Por isso, este
espetáculo foi também um muito público ato de redenção. Os seus 28 temas – apenas
‘Imagem’ e ‘Arrastão’ são originários dos anos 60 – vêm predominantemente da
década de 70, sendo que de dezassete deles, gravados entre 1977 e 1982, talvez
por coincidência, foi Maria Rita contemporânea. Era uma fase tão complexa quão subtil
em Elis, com aquele cabelo curto entre a Mia Farrow de "A Semente do Diabo", a Jean Seberg de “O Acossado” e a Sylvia
Kristel de “Emmanuelle” a tornar ainda mais irredutível, inflexível e
iconográfica uma expressão que nesse momento exatificava o paradigma
interpretativo feminino na música popular brasileira, distante já da ornamentação
e da hipérbole, recriando então o mundo à sua imagem. Maria Rita é mais
pedagógica do que demagógica na sua evocação e, ocasionalmente, não receia o
transe mediúnico.
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