O drama situa-se rio Níger acima, para
os lados de Tombuctu e Gao, mas, como se sabe, a guerra santa não tem domicílio
e, na sua proposição maliana, mascara o mais ordinário predatismo à face da
terra. A biografia artística da Super Biton de Ségou, ainda em atividade e nominalmente
inspirada na figura de Mamari ‘Biton’ Coulibaly – fundador do Império Bambara
no início do século XVIII, região conquistada pelas cimitarras dos mujahidin em 1861 e, numa ação
atualmente reencenada a norte, ‘libertada’ pelo exército colonial francês em
1890 – funciona, apesar de tudo, como uma parábola para a compreensão da maior
das fantasias revolucionárias: a do igualitarismo. Porque a verdade é que,
desenvolvida a partir das formativas Ségou Jazz, Alliance Jazz e Renaissance
Jazz nas Semanas da Juventude criadas por Modibo Keïta nos anos 60, e
apresentada, já na primeira das Bienais Artísticas e Culturais do regime de
Moussa Traoré, enquanto Orchestre Régional de Ségou, a sua produção assimilava repertório
bamana, fula, bozo, tuaregue, songhai, mandinga, dogon ou wolof num discurso,
então, ancorado nas modernas formas afro-cubanas tão em voga. Aliás, comparando
as suas gravações desse ano (editadas na alemã Bärenreiter-Musicaphon numa
série de 15 títulos que incluía os emissários de Mopti, Tombuctu, Sikasso,
Kayes ou, através da Rail Band, de Bamako) com as desta antologia, provenientes
de um par de álbuns homónimos de 1977 lançados pela Mali Kunkan, verifica-se
precisamente a emergência de um distinto perfil folclorista, melhor
representado pelas malabares guitarradas de Mama Sissoko (oscilando, com
orgulhosa sobriedade, entre escalas pentatónica e diatónica), o insigne timbre
vocal de Mamadou Doumbia e a cerimonial expressividade do trompetista Amadou
Bâ, numa configuração de paz e tolerância que se impõe relembrar.
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