Com 16 anos, numas férias em família pela Provença, Heston Blumenthal, celebrity chef, foi ao L’Oustau de Baumanière. Mais tarde, inspirado pelos aspetos multissensoriais da experiência, “pelo som das fontes e das cigarras, pelo cheiro inebriante a alfazema”, concebeu um prato, ‘Sound of the Sea’ (meixão, lingueirão, berbigão, mexilhão, ouriço-do-mar, espuma marinha, areia edível), que servia acompanhado por um iPod com gravações dos guinchos das gaivotas e do rumor da marulhada. Dizia tratar-se de um “apelo integrado aos sentidos”. Se criasse um prato por sugestão da música de Cecil Taylor, essoutro construtivista, que disse um dia que o seu objetivo era o de “edificar uma estrutura totalmente integrada em cada peça”, imagina-se que tivesse de investigar o subsolo. Isto porque, talvez pela extensão do blues que sempre mostrou ser, esta música sabe a terra. A 16 de novembro de 1981, aliás, este concerto em Basileia começou precisamente por uma declamação em línguas desconhecidas, pela qual, em inglês, irrompia a frase “e iremos para os campos lavrar.” Agora que o reedita em dois volumes (com masterização e sequencialização retocadas), a Hat Hut decide ilustrar “Garden” com o que parecem ser as chaminés de fada do Bryce Canyon, como quem diz que também aqui vê os efeitos de uma ação erosiva. Taylor a escavar o jazz até ao osso. A esculpir perpetuamente o interior de quem o ouve.
Textos publicados no semanário português Expresso/ Articles published on the Portuguese weekly Expresso
24 de dezembro de 2015
Cecil Taylor “Garden, 1st Set” & “Garden, 2nd Set” (Hat Hut, 2015)
Com 16 anos, numas férias em família pela Provença, Heston Blumenthal, celebrity chef, foi ao L’Oustau de Baumanière. Mais tarde, inspirado pelos aspetos multissensoriais da experiência, “pelo som das fontes e das cigarras, pelo cheiro inebriante a alfazema”, concebeu um prato, ‘Sound of the Sea’ (meixão, lingueirão, berbigão, mexilhão, ouriço-do-mar, espuma marinha, areia edível), que servia acompanhado por um iPod com gravações dos guinchos das gaivotas e do rumor da marulhada. Dizia tratar-se de um “apelo integrado aos sentidos”. Se criasse um prato por sugestão da música de Cecil Taylor, essoutro construtivista, que disse um dia que o seu objetivo era o de “edificar uma estrutura totalmente integrada em cada peça”, imagina-se que tivesse de investigar o subsolo. Isto porque, talvez pela extensão do blues que sempre mostrou ser, esta música sabe a terra. A 16 de novembro de 1981, aliás, este concerto em Basileia começou precisamente por uma declamação em línguas desconhecidas, pela qual, em inglês, irrompia a frase “e iremos para os campos lavrar.” Agora que o reedita em dois volumes (com masterização e sequencialização retocadas), a Hat Hut decide ilustrar “Garden” com o que parecem ser as chaminés de fada do Bryce Canyon, como quem diz que também aqui vê os efeitos de uma ação erosiva. Taylor a escavar o jazz até ao osso. A esculpir perpetuamente o interior de quem o ouve.
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