Na região metropolitana de Nova
Iorque, em Long Island, mais precisamente na área de Dix Hills, encontra-se
Candlewood Path. É uma rua discreta, algo fechada sobre si mesma, indistinguível
entre os milhares a que se assemelha. No verão cheira a erva miúda e no inverno
a lenha queimada e só a respiração da interestatal lhe adia o coma profundo. Ou
seja, é ideal para McMansions. Há coisa de dez anos, aliás, propôs-se demolir o
247, uma moradia rústica de piso térreo. A empreitada gorou-se e, hoje, numa
placa, lê-se que, de 1964 a 1967, ano da sua morte, aí viveu John Coltrane, e
que foi aí que compôs “A Love Supreme”. Alice, sua viúva, num livro que Ashley
Kahn dedicou ao disco, conta que a casa tinha um anexo: “Raramente lá íamos, mas,
no outono de 1964, o John começou a passar lá mais tempo. Levava lápis,
cadernos, qualquer coisa para comer. Até que, um dia, apareceu com uma tamanha
alegria estampada no rosto, uma paz e tranquilidade tais, que lhe pedi para me
contar o que se tinha passado. Disse-me que tinha recebido de uma assentada a
música que queria gravar. Que tinha tudo.” Com efeito, o LP é essa coisa rara
na história, quando os factos reais da vida de muitos se parecem subitamente
materializar nas intuições domésticas de um só. Esta edição, com takes inéditos da malograda sessão de
dia 10 de dezembro (quando Coltrane, quiçá a duvidar do milagre da véspera,
insistiu para que Archie Shepp e Art Davis se juntassem ao seu quarteto) só
contribui para reforçar o que já se sabia: que o jazz nunca mais foi o mesmo
porque a própria humanidade não podia permanecer como antes.
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